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Publicado em

29/11/2022

[ artigo ] Por um Brasil que não mate futuros

Artigo de Mayara Nunes, jornalista do Instituto de Referência Negra Peregum e militante da Uneafro Brasil

Vivemos em uma sociedade com um conjunto de práticas permeadas por um imaginário que promove, de forma estrutural, a segregação e o preconceito étnico-racial. Esse processo em que as condições de organização da sociedade reproduzem a subalternidade de determinados grupos é composto por três dimensões: a economia, a política e a subjetividade, que condicionam as pessoas racializadas a uma dinâmica cotidiana de constrangimento e exclusão.  

Não é à toa que as mulheres negras ocupam a base da pirâmide social, compondo a maior proporção de trabalhadoras domésticas do país. A carga tributária brasileira pune, proporcionalmente, a população mais pobre, porque os tributos sobre o consumo de bens e serviços são regressivos, pesando mais no orçamento das famílias que ganham menos, justamente as que recebem os piores salários e ocupam os postos de trabalho mais precarizados.  

Esse sistema de funcionamento reproduz condições de desigualdade que colocam as pessoas negras na base da nossa sociedade, com menor acesso a direitos e oportunidades, mais expostas à violência e à segregação. É esse padrão de “normalidade” que opera no Brasil, afetando cotidianamente a vida de milhões de pessoas, que o artigo escrito por Mayara Nunes, do Instituto de Referência Negra Peregum, ataca. Uma reflexão urgente não apenas no mês em que se clama pela Consciência Negra, mas para todos os dias. Confira:

Enquanto houver racismo e intolerância, a juventude negra não estará a salvo, pois sempre terá o alvo como marca na pele, no andar, na roupa, no boné, no cabelo black, no corpo. Andar sem documento? Onde já se viu? Para mãe preta, é um tormento, certamente, um dia conduzido pela incerteza da volta do filho para casa. 

A cada confusão do Estado, um futuro cai no chão. Futuro médico, arquiteto, empreendedor, futuro artista, futuro professor. A cada confusão, um jovem é assassinado, uma mãe chora sua perda em silêncio e “erros” são justificados, mas nunca se erra o alvo. 

Confundem marmita com arma, guarda-chuva com fuzil, bíblia, macaco hidráulico, furadeira, saco de pipoca, celular, só não confundem o lugar. A criminalização de territórios inteiros, a desigualdade, a falta de estrutura. Saneamento não chega, educação não chega, cultura não chega, mas a bala chega antes de tudo. 

O cotidiano da juventude negra e periférica é marcado pela insegurança ou pela segurança pública? Nem a infância está protegida, segue sendo coagida, perseguida pela bala perdida nos quintais de casa, nas brincadeiras de rua, nas janelas da sala de estar, na escola. O Brasil não te deixa estudar. 

Um país que saiu do Mapa da Fome, que construiu universidades e ampliou o acesso à saúde, hoje, voltou a bater recordes de pessoas em situação de insegurança alimentar e desemprego. Isso sem falar nas escolas de tiro espalhadas por todas as cidades. Fuzis e metralhadoras na mão de civis. A merenda cortada há quatro anos, redução em verbas destinadas à educação e à pesquisa científica, desmantelamento da cultura, cortes no SUS (Sistema Único de Saúde) e nos benefícios sociais, não?

A juventude não espera, o motoboy que entrega comida passa fome na viela, o novo é reprimido e o mesmo ovo dividido em quatro partes, não ficar louco no Brasil é uma arte. 

É tanta morte física e subjetiva. Falta remédio, falta comida. E a vida vai se condicionando a uma sobrevida. Sobrevivendo à violência, à falta de emprego, à moradia digna e se esquivando da bala que invade a favela. E o “desenvolvimento” segue justificando guerras cotidianas. 

Um país que educa se desenvolve sem destruir suas florestas. Um país que não desperdiça potencial humano faz a roda da economia girar. Um país que investe em cultura ao invés do encarceramento é um país seguro para a mãe cujo filho saiu sem documento. Um país que acredita na juventude é um país que não mata futuros

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