Publicado em
24/02/2025
Educomunicação é estratégia para reflexão e ação sobre subjetividades e territórios.
Por Isadora Morena
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“No projeto me reconheci como gente”. “Dia que tem projeto é o dia de aprender com felicidade.” Esses são alguns dos depoimentos de crianças e adolescentes compartilhados por Andressa Luzirão sobre o projeto Memórias em Rede, idealizado pela jornalista e professora universitária e realizado desde 2018 pelo Instituto Devir Educom, em Santos (SP), do qual é sócio-fundadora.
Daniel Luiz da Silva, 15 anos, participa do projeto desde 2023 e confirma a importância da iniciativa para seu fortalecimento pessoal: “Eu comecei no Memórias em Rede em um momento delicado, porém perfeito. Foi uma época em que não entendia meus sentimentos e passei a não me respeitar nem me reconhecer. A entrada no projeto me fez entender que eu preciso ter essa compreensão e esse respeito por mim mesmo”.
O jovem ressalta que a iniciativa também contribuiu para melhorar sua relação com o território, abrindo sua mente para novas perspectivas. “Comecei a pensar de forma crítica, além do meu viver. Por exemplo: por que a favela existe? Qual é o meu papel aqui dentro? Como a cidade é o nosso espaço e, mesmo assim, não temos total direito de ir e vir?”, reflete Daniel.
Atualmente, o Memórias em Rede possui oito turmas e beneficia cinco comunidades educativas, entre escolas públicas e espaços não formais de educação.
O Instituto Devir Educom desenvolveu a metodologia dos Círculos, que abrange os eixos Eu, Família, Escola e Território. Com diferentes dinâmicas, os(as) integrantes são convidados(as) a refletir e agir sobre sua relação com cada um desses campos.
Por meio de oficinas lúdicas, que promovem o desenvolvimento de diversas linguagens jornalísticas e artísticas, além de entrevistas, debates e rodas de conversa, os membros criam e experimentam espaços de livre expressão e participação cidadã, se conscientizando sobre direitos, como o direito à comunicação e o direito à memória.
Definindo Educomunicação
O projeto atua na perspectiva da Educomunicação, campo teórico-prático na interface Comunicação-Educação, que, segundo a Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom), tem como propósito “a criação e fortalecimento de ecossistemas comunicativos abertos e democráticos nos espaços educativos, mediante a gestão compartilhada e solidária dos recursos da comunicação, suas linguagens e tecnologias, levando ao fortalecimento do protagonismo dos sujeitos sociais e ao consequente exercício prático do direito universal à expressão”.
De acordo com a pesquisadora Juliana Salles de Souza, que estuda o conceito e mapeou em sua tese de doutorado mais de 1.400 coletivos de comunicação popular na América Latina, entre eles coletivos de Educomunicação, a Educomunicação tem o diferencial de “nascer, trabalhar e mergulhar nos escritos e vivências do educador e filósofo brasileiro Paulo Freire. Não se trata de uma referência que está somente escrita em artigos e livros, mas sim de uma orientação constante e vivenciada [nas iniciativas educomunicativas]”.
A pesquisadora explica que a Educomunicação tem como origem a comunicação popular e dá amplo espaço para a pedagogia das perguntas, para o aprendizado a partir do cotidiano, para o movimento constante de ação-reflexão-ação, os processos feitos com e não simplesmente para os educandos, a desierarquização entre educandos e educadores no processo de conhecimento, o protagonismo dos educandos e, sobretudo, é marcada por uma prática inerentemente dialógica.
“A Educomunicação tem o potencial de romper com a cultura do silêncio e de explicitar as denúncias inerentes às opressões e violações de direitos humanos”, afirma.
Educomunicação, memória e território
Em sua pesquisa, Juliana percebeu que muitos projetos educomunicativos, assim como o desenvolvido pelo Instituto Devir Educom, tratam de memória. Andressa Luzirão, do Memórias em Rede, explica a importância de discutir o tema: “A memória é nossa identidade, são os vínculos que estabelecemos na relação com o outro e com o lugar”.
O resgate da memória e a criação de novas narrativas são alguns dos principais objetivos do projeto na baixada santista. Segundo Andressa, temas como ancestralidade e afetividade surgem a todo momento, costurando as práticas da iniciativa.
A preservação da memória por meio da proteção dos territórios e da valorização dos saberes tradicionais foi também tema que conduziu a Jornada de Educomunicação Somos as Vozes da Terra, das Águas e Florestas, uma iniciativa do coletivo de juventude da Rede dos Povos de Rondônia, realizada em três etapas ao longo de 2024 e início de 2025.
A iniciativa foi apoiada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) Rondônia, pelo Grupo de Pesquisa e Extensão Rádio Educação Cidadania (REC), Programa de Extensão Educomunicação Rondônia (PEducom/RO/Unir), Comitê de Defesa da Vida na Bacia do Rio Madeira (COMVIDA), Coletivo Mura, Associação dos Seringueiros e Agro-Extrativista do Baixo Rio Ouro Preto – (ASAEX), a Associação Maxajã e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio – Unidade Guajará-Mirim).
A jornada contou com a participação de jovens de diversas origens, incluindo indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, além de sabedores, anciãs, crianças e mulheres. As atividades foram realizadas em diferentes territórios extrativistas e indígenas em Rondônia: como a comunidade Pompeu na Reserva Extrativista Rio Ouro Preto, as Reservas Extrativistas Castanheiras e Piquiá e o território do povo Puruborá, que resiste pela demarcação de suas terras.
Durante os encontros, foram promovidas formações em comunicação popular e comunitária, assim como debates sobre espiritualidade, implicações do crédito de carbono, direitos da natureza, terra e território, além de estratégias de resistência das mulheres.
Segundo Evelyn Morales, jornalista, professora universitária, educomunicadora e coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Rádio Educação Cidadania (REC) e do Programa de Extensão Educomunicação Rondônia (PEducom/RO/Unir), que integra a formação da jornada, foram utilizadas mídias como celular, tablet e notebook para criação de produtos educomunicacionais de modo coletivo e cooperativo entre os participantes. Como resultado, há materiais em diversas linguagens, como áudio e artes visuais, refletindo a visão das comunidades sobre seus territórios e um livro ilustrado a ser finalizado ainda este ano.
De acordo com Evelyn, uma das peculiaridades do programa de Educomunicação em Rondônia são os Estúdios Florestas. “Nós levamos estúdios de rádio portáteis para que essas comunidades possam fazer educomunicação nos territórios”.
Por meio dessas diversas produções, os(as) participantes têm compartilhado como são os seus territórios, com todas as suas potencialidades, e também vêm denunciando o que de negativo ocorre nesses espaços, em uma postura de enfrentamento de violências.
A jornada educomunicativa, portanto, não apenas capacitou as pessoas envolvidas em técnicas de comunicação, mas também fortaleceu a identidade cultural e a resistência das comunidades tradicionais de Rondônia, promovendo a união entre diferentes povos na defesa de seus direitos.
Que tal aprender mais sobre Educomunicação?
A Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom) está com inscrições abertas, até 15 de março, para a 3ª edição do curso de aperfeiçoamento em Educomunicação: Conceitos e Práticas. Durante a formação, serão realizadas 25 aulas ao vivo, em formato virtual, com exposições teóricas e dinâmicas práticas. As aulas acontecerão todas às terças e quintas-feiras, das 19h às 21h30, exceto em feriados.
Além disso, serão disponibilizadas 10 bolsas integrais para políticas afirmativas, com inscrições abertas até 9 de março. Os participantes também desenvolverão projetos de intervenção social educomunicativa sob orientação da equipe docente.
O curso, com carga horária total de 80 horas, concederá certificado aos alunos que cumprirem ao menos 75% de presença e apresentarem trabalho final. As inscrições podem ser feitas neste link. Participe!
Artigo para a editoria Em Perspectiva da 11ª edição da Revista Casa Comum.
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