Publicado em
28/01/2025
Artigo para a editoria Em Perspectiva da 11ª edição da Revista Casa Comum.
Por Ismar de Oliveira Soares*
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No ano de 2018, ao apresentar o Plano de Educação em Direitos Humanos para o Estado de São Paulo, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE) fez questão de reportar-se à Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, que, em seu artigo 19, apontava a Comunicação como um dos direitos humanos fundamentais, capaz de dar sustentação aos demais direitos:
“Inerente ao direito à informação, reconhece-se, igualmente, o direito à participação em determinada cultura, o direito a um ambiente plural nos meios de comunicação, o direito à privacidade, bem como o direito de ter acesso a uma educação que faculte a cada ser humano os conhecimentos necessários para comunicar-se e fazer uso dos recursos que facilitem sua interação social.”
Este é o ponto: é pelo acesso à educação que se pode garantir que crianças, adolescentes e jovens entrem em contato com o universo representado pelos direitos humanos. Quando, contudo, o que se pretende é que as novas gerações mergulhem de cabeça no tema, de uma forma proativa, o caminho a percorrer é o da promoção de uma vivência educomunicativa, capaz de despertar os jovens, mobilizando-os para a ação.
Lembramos que foi justamente na busca por caminhos de empoderamento das pessoas e grupos sociais para a conquista de seus direitos que a referida “prática educomunicativa” foi se formando, junto às comunidades populares da América Latina, ao longo da segunda metade do século passado. No caso, uma ação comunicativa deliberadamente dialógica e participativa passou a ser o ar que as pessoas respiravam e o alimento que as movia.
A Educomunicação é um paradigma orientador de práticas socioeducativo-comunicacionais que têm como meta a criação e o fortalecimento de ecossistemas comunicativos abertos e democráticos nos espaços educativos, mediante a gestão compartilhada e solidária dos recursos da comunicação, suas linguagens e tecnologias, levando ao fortalecimento do protagonismo dos sujeitos sociais e ao consequente exercício prático do direito universal à expressão.
Saiba mais em: abpeducom.org.br/educom/conceito
Para melhor entender o que representa a Educomunicação no processo de formação para os direitos humanos, trazemos a história de Tatiane Evangelista Soares, hoje uma profissional de saúde, residente no estado do Ceará, que se apaixonou pela prática, quando ainda tinha 12 anos e vivia na periferia de São Paulo.
“Tenho 34 anos, e se hoje sou quem sou, muito devo a uma experiência que vivi quando tinha apenas 12 anos, na EMEF Altino Arantes, na Vila Industrial, zona Leste de São Paulo. Em 2002, quando o programa Educom.rádio chegou à minha escola, eu fiquei empolgada. Era algo novo e fascinante, que oferecia uma oportunidade única da qual eu não queria ficar de fora. Então, eu e minha melhor amiga, Carolina Marucci, tomamos coragem e fomos até a coordenação da escola. Apesar de as vagas serem limitadas, a oportunidade veio e eu não deixei passar. […]
Foi nesse período que eu compreendi o verdadeiro significado de educomunicação — uma prática que permite que as pessoas sejam não apenas receptores de informação, mas também produtores e disseminadores de conteúdo. A educomunicação nos empoderou, nos deu voz e nos mostrou que podíamos ser protagonistas das nossas próprias histórias.
Aquela experiência na rádio foi mais do que aprender a comunicar. Foi aprender a ser cidadã, a sentir que eu tinha direito a um futuro melhor. Olho para trás e vejo que, mesmo que minha trajetória tenha sido difícil, aquele projeto foi uma joia rara que me deu força para seguir em frente.”
O Educom.rádio – Educomunicação pelas Ondas do Rádio – foi um programa implementado pela Rede Municipal de Educação de São Paulo, entre 2001 e 2004, com a assessoria do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (USP), atendendo 10 mil professores/alunos/membros das comunidades educativas de 455 escolas, tendo como meta a eliminação da violência nos espaços escolares.
Os caminhos da Educomunicação
Tatiane Soares como mestre de cerimônia no “3° Tem disso Sim!”, em Juazeiro do Norte (CE). Foto: Arquivo pessoal
A história de Tatiane Soares traduz o roteiro de aprendizagem de milhares de estudantes Brasil afora… Ou melhor: América Latina afora! Por meio de uma pedagogia de projetos, a nova geração acaba sendo mobilizada a se integrar, em grupos, em atividades transdisciplinares, a partir de uma metodologia que prevê igualdade de condições para que todos se articulem em torno de metas a serem conquistadas colaborativamente, tendo como recurso básico a comunicação dialógica.
No caso, a Educomunicação tem sido vital para o tratamento de três âmbitos de ação voltados aos direitos e aos deveres humanos, quais sejam: (I) A recepção e consumo da produção midiática; (II) Os cuidados com a Mãe Natureza; e (III) O respeito à diversidade de raça, gênero e cultura.
A Educação Midiática e Informacional
É da natureza da Educomunicação voltar-se para os processos comunicativos que regem a circulação de informações na sociedade. Essa área é identificada pela Unesco como Educação Midiática e Informacional.
Trata-se de um âmbito de atividade educativa que permite aos consumidores da mídia e usuários da internet acesso às informações sobre como funcionam os sistemas de comunicação, de forma a se protegerem de possíveis manipulações e, mais ainda, a se integrarem, de forma proativa, à própria produção de conteúdos.
Entra no âmbito desse processo de aprendizagem a identificação e o combate às denominadas fake news.
O tema ganhou tanta importância que levou o Governo Federal a criar um departamento especial sobre o tema, junto à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (leia mais na página 12 da Revista Casa Comum).
Educom, pelo respeito à diversidade de raça, gênero e cultura
A Educomunicação já se declarou como um paradigma voltado essencialmente para a acolhida das diversidades e a convivência dos diferentes. Como destaca a educomunicadora Paola Prandini: “A Educomunicação tem grande potencial para se tornar um caminho para a efetiva aplicação nas salas de aula da Lei Federal 10.639, de 2003, que institui como obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos dos ensinos fundamental e médio das escolas brasileiras.”
O cuidado com a Mãe Natureza
As catástrofes climáticas vividas pela humanidade nos últimos anos apontam para o fato de que uma reconexão com a Terra é urgente e indispensável. Essa é uma missão que a Educomunicação se colocou, convocando crianças, adolescentes, jovens e adultos a mudarem suas atitudes de saqueadores da Natureza.
Na verdade, o Meio Ambiente é um dos temas preferidos pelos educomunicadores. Foi o que, por exemplo, mobilizou um conjunto de cinco milhões de estudantes, de todo o Brasil, em cada uma das quatro Conferências Nacionais Infanto-Juvenis pelo Meio Ambiente, promovidas pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Educação, entre 2003 e 2018. Pela primeira vez na história, as crianças, adolescentes e jovens foram chamados a dar orientações aos adultos sobre como se relacionar com a Mãe Terra.
A Revista Casa Comum produz, em parceria com a ABPEducom, a série especial Educomunidade, que coloca a Educomunicação e suas possibilidades em pauta. Confira todos os episódios em: bit.ly/RCC_Educomunidade
Fique por dentro
• Depoimento de Tatiane Evangelista Soares para o blog de Carlos Lima: bit.ly/RCC_11_52
• Estratégia Brasileira de Educação Midiática: bit.ly/RCC_11_53
• Entrevista de Paola Prandini com o tema “Educomunicação é alternativa para integrar a cultura africana no currículo escolar“: bit.ly/RCC_11_54
*Ismar de Oliveira Soares é filósofo, professor, jornalista, pesquisador, doutor em Comunicação, fundador do Núcleo de Comunicação e Educação (NCE), presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom), um dos articuladores da Licenciatura em Educomunicação da Universidade de São Paulo (USP) e é conselheiro da Revista Casa Comum.
Saiba mais em: abpeducom.org.br
Nova série em formato de podcast é uma iniciativa da Revista Casa Comum elaborada a partir de entrevistas da 11ª edição, que pautou a “Comunicação transformadora pelo bem comum”.
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