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Em Pauta

Publicado em

24/08/2022

“Passamos da ideia de combater para a de nos adaptar às mudanças climáticas”

* Membro da Executiva do Serviço Inter-Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia (Sinfrajupe) e coordenador da Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade (AFES)

Passaram-se 30 anos desde a realização da Eco-92 no Rio de Janeiro. Nesse meio tempo, também ocorreu a Rio+20
Por Elvis Marques

Dois cientistas descobrem que o fim do planeta e, consequentemente, da humanidade pode estar próximo. Tentam alertar as autoridades e a imprensa de uma das maiores nações do mundo. Os pesquisadores não são levados a sério por negacionistas que integram o alto escalão do governo. Logo, a população, bombardeada por informações falsas, também passa a duvidar dos estudos.

Essa é uma breve contextualização do sucesso cinematográfico Não Olhe para Cima, longa-metragem do diretor Adam McKay, lançado em dezembro de 2021, e que gerou inúmeras comparações mundo afora, inclusive no Brasil, com mandatários que negam fatos comprovados cientificamente, como o que ocorreu durante a pandemia de Covid-19. 

Três décadas depois da Eco-92, “a nossa casa [o planeta] ainda está em ruínas”, expressam franciscanos, franciscanas e organizações da sociedade civil (OSC) responsáveis pela realização do recente evento 10 anos depois do Rio+20, que debateu a temática no Rio de Janeiro. E, se a Casa Comum está desmoronando, não é por falta de avisos, mobilizações e pesquisas.

“Após esses eventos, as organizações e os países responsáveis por toda riqueza e, também, pela vida no nosso planeta não foram suficientes em seus esforços para frear os problemas que nós estamos sofrendo e vivendo. As consequências de não se movimentar em prol da vida em sua plenitude nos levará a um desastre ambiental muito grande. Mas como o Papa nos disse, os desastres ambientais estão relacionados aos desastres humanos”, analisa Frei Marx Rodrigues, diretor-secretário do Sefras.

A pedido da revista Casa Comum, o frade franciscano Rodrigo de Castro Amédée Péret, que esteve presente tanto na Eco-92 como na Rio+20, e agora é uma das lideranças do evento sobre a pós-conferência socioambiental, produziu um artigo exclusivo sobre o tema. Atuante em diversos movimentos e redes nacionais e internacionais que denunciam os impactos da mineração, Frei Rodrigo analisa as “heranças” das conferências e os pós-eventos relacionados ao clima. Confira:

30 anos da Eco-92

Em 1992, foi realizada, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente (Eco-92 ou Rio-92). Era a continuidade de um processo iniciado em 1972 com a Conferência de Estocolmo. Em abril de 1987, foi publicado um importante documento: o Relatório Nosso Futuro Comum

Esse documento apontava a necessidade de alterar a qualidade do desenvolvimento, tornando-o mais equitativo para todos, garantindo às gerações futuras o acesso aos recursos naturais. Apesar de a Rio-92 ter ampliado a visão de uma perspectiva humana para uma mais compreensiva do meio ambiente como um todo, acabamos presos à questão do desenvolvimento.

Daí por diante, a economia se consolidou como o carro chefe da questão ambiental na Organização das Nações Unidas (ONU). As noções de sustentabilidade avançaram na direção de um ecocapitalismo, da economia verde, na pretensão de que o meio ambiente e a degradação ambiental se harmonizariam com a expansão da economia, o que levaria a um crescimento estável. O meio ambiente foi assumido como uma forma de capital para assegurar o objetivo último do desenvolvimento.

Vinte anos depois da Rio-92, a agenda ambiental da ONU já estava comprometida com governos capturados pelas corporações transnacionais. A Rio+20 evidenciou isso em duas temáticas: a economia verde, no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e na discussão da estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável. O resultado das negociações da Rio+20 foi o documento O Futuro que Queremos, um texto abstrato, que apontava para uma “transição verde”. Era uma vitória do capital e dos países que exercem o poder hegemônico no mundo.

Com a agenda ambiental capturada e dependente do desenvolvimento, os processos da ONU vêm se tornado um fracasso. No ano 2000, as Nações Unidas propuseram oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que deveriam ser alcançados até 2015, uma agenda para reduzir os déficits socioambientais que resultou num grande fracasso. 

Em 2015, a ONU lançou outra agenda, a 2030, com objetivos ainda maiores, que se tornaram os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Até o presente momento, não tiveram um impacto político real. Somam-se também às agendas das Conferências das Partes de Biodiversidade de Mudança Climática, as COPs, que têm se caracterizado como um processo de empurrar para frente as obrigações e medidas concretas, como no caso da redução de emissões de gases de efeito estufa. 

Passamos da ideia de combater para a de se adaptar às mudanças climáticas. Em 2021, na COP 26, no caso dos combustíveis fósseis, a expressão “eliminação gradual” foi substituída por “redução gradual” da exploração e consumo de carvão. Essas conferências são financiadas pelas corporações. Capturados os Estados, esses não adotam medidas radicais que afetem seus próprios interesses. Todos os compromissos são voluntários, nada é vinculante e ninguém responde por nada.

Voltando a 1992, em paralelo ao evento da ONU, organizações não governamentais (ONGs) e movimentos sociais de várias partes do mundo promoveram um debate da sociedade civil sobre meio ambiente e desenvolvimento, que foi denominado de Fórum Global, no Aterro do Flamengo (RJ). Previamente foi criado um fórum preparatório de ONGs brasileiras.

Na Rio+20, uma delegação de 60 pessoas da família franciscana (entre religiosas, frades e leigos) de diversos continentes participou da Cúpula dos Povos e da Conferência oficial da ONU, juntamente com representantes da Juventude Franciscana do Brasil (Jufra). 

Essa delegação elaborou um documento orientador para ação franciscana no mundo pós-Rio+20, com três propostas de atuação: (1) no campo da autenticidade de vida, (2) na luta contra a mineração e extrativismo e (3) na campanha Não à Economia Verde – contra a mercantilização da vida, buscando novos paradigmas alternativos à vida no planeta.

Passaram-se mais 10 anos, depois da Rio+20. Muito ainda há por fazer. Resta uma lição que vem do Fórum de ONGs brasileiras, em seu relatório final, na Eco-92, que constata o seguinte: 

“A irrestrita exploração dos recursos materiais é meramente sintoma de uma doença global do espírito humano. O processo histórico que vem conduzindo à separação da mãe Terra está levando a humanidade a uma compreensão mais profunda da unicidade do ser humano com a natureza. As instituições sociais, econômicas e políticas encontram-se indefesas ante à destruição que se observa, por estarem baseadas em falsas premissas de separação e conquista da natureza. Essa separação nega a santidade e a sacralidade da vida. É dentro deste novo contexto que deve ser colocado o relacionamento destrutivo do homem para com o meio ambiente. As evoluções material e espiritual estão interligadas. A humanidade faz parte da comunhão com a vida e tem responsabilidade com ela, já que é uma dádiva divina. Destruir a natureza, nesta concepção, representa um rompimento desse compromisso fundamental.”

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