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Publicado em

15/06/2023

[ artigo ] Racismo ambiental: a resposta está nas mulheres pretas, indígenas e periféricas

Por Jéssica Moreira e Mayara Penina*

Região da Barra do Sahy, onde as chuvas deixaram um rastro de destruição em São Sebastião (SP). Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

Racismo ambiental, crise do clima ou emergência climática. Com certeza você já ouviu algum desses termos. Mas como será que eles nos afetam e se relacionam com o nosso cotidiano?

Embora, muitas vezes, o debate ambiental seja considerado elitista e distante das periferias, a questão é completamente atravessada pelo racismo estrutural, uma vez que esse processo tem início na tomada dos territórios indígenas e na escravização dos povos negros.

Para iniciar essa conversa, relembramos um aprendizado proferido por Tamikuã Txihi – liderança da Terra Indígena do Jaraguá, em São Paulo (SP). Em entrevista ao Nós, mulheres da periferia, ela defende que não existe cisão entre o que somos e o meio ambiente: “Nós não dividimos o que é natureza, ou mata, como é chamado de Meio Ambiente, dividindo a gente, porque pra gente não tem esse meio. Nós somos a própria natureza.”¹

Uma vez que somos a natureza, cabe a nós cuidarmos de tudo o que a compõe, inclusive denunciando quem a maltrata direta ou indiretamente.

Segundo Cristiane Faustino, assistente social e integrante do Instituto Terramar, em Fortaleza (CE), racismo ambiental é “a prática de destinar às comunidades e populações negras, indígenas, não brancas e imigrantes os piores efeitos da degradação ambiental.”

Esse tipo de racismo pode ocorrer tanto no ambiente rural quanto no urbano. No campo, ele tende a acontecer principalmente em terras indígenas, quilombolas e de povos tradicionais. Seja na ocupação desenfreada para a instalação de mineradoras ou, então, na invasão dessas comunidades por grileiros, seja por outras ameaças aos povos locais.

Já em áreas urbanas, ele se caracteriza, muitas vezes, por meio do CEP. Quanto mais afastado do centro da cidade, maior é o risco da população sofrer com a falta de saneamento básico ou com ações de despejo por conta do mercado imobiliário, sendo todos esses exemplos entendidos como práticas racistas socioambientais.

O racismo ambiental se torna ainda mais violento nessas localidades porque chega exatamente onde as fragilidades ou a omissão do Estado já operam há muito tempo. Exemplos disso são os territórios onde não há coleta de lixo ou saneamento básico.

O conceito foi utilizado pela primeira vez por Benjamin Franklin Chaves Jr.², professor universitário e assistente de Martin Luther King Jr. na luta por direitos civis do povo negro nos Estados Unidos: “Racismo ambiental é a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais.”

A resposta é preta, indígena e periférica

Não há respostas simples para problemas tão complexos, mas foi na escuta das mais diversas histórias que o Nós, mulheres da periferia conseguiu entender o racismo ambiental e a importância de ouvir mulheres quilombolas, indígenas e negras que vivem nas periferias e como suas vivências e realidades representam uma verdadeira luta em prol do meio ambiente.

Exemplo disso é Francy Baniwa, da comunidade indígena Assunção do Içana, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), que integra o projeto Amaronai-Ita, formado por mulheres que produzem absorventes ecológicos para promover dignidade menstrual e geração de renda na região. “Se a gente deixar de usar o absorvente descartável vamos contribuir com o solo e com a floresta”, afirma a ativista.

Da zona leste de São Paulo (SP), a grafiteira e educadora Juliana Costa pensa na questão ambiental desde criança, quando já se incomodava em ver lixo na rua. Na fase adulta, uniu arte e justiça ambiental, conscientizando as populações periféricas a respeitarem a natureza. É líder do Lab Casa Cultural (@labcasa_cultural no Instagram), onde boa parte das construções é feita com materiais sustentáveis.

Rosi Waikhon. Foto: Adelson Ribeiro

Quem também une ativismo ambiental e arte é Rosi Waikhon, poeta e doutora em Antropologia Social, do povo Piratapuia em São Gabriel da Cachoeira (AM). Com suas poesias, Rosi dissemina conhecimentos da cientista e poeta para dialogar com mais gente. Desenvolveu o projeto Avó do Mundo e, por meio de performances, prega o respeito à natureza que aprendeu com seus avós.

>> Para conhecer essas e outras histórias de mulheres que estão cuidando do Meio Ambiente, leia o especial Cuidadoras Ancestrais.

(1) Reportagem “De Jaraguá a Parelheiros: mulheres indígenas de SP na proteção de seu povo”.
(2) Artigo “Toxic Wastes and Race in The United States”.
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*Jéssica Moreira é escritora e jornalista. Cofundadora e diretora de comunidades do Nós, mulheres da periferia. Já Mayara Penina é jornalista e especialista em infâncias. Cofundadora e diretora de conteúdo do Nós, mulheres da periferia.

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