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Publicado em

05/12/2022

“Queremos uma nova geografia brasileira”, afirma Tereza Campello

Uma das principais referências em políticas públicas de desenvolvimento social e combate à fome do Brasil, a ex-ministra Tereza Campello conversou com a Revista Casa Comum e abordou temas que devem ser priorizados nos primeiros dias do novo governo Lula

Por Elvis Marques

Foto: Agência Brasil

Há 20 anos e alguns dias, Tereza Campello estava em Brasília como integrante da equipe de transição entre os governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o qual se preparava para tomar posse em seu primeiro mandato como presidente do Brasil.

Agora, novamente, Tereza está no mesmo local contribuindo, com mais experiência, para a passagem de poder a Lula e a Alckmin (PSB). Economista, professora visitante da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome entre os anos 2011 e 2016 durante o mandato de Dilma Rousseff (PT), Tereza, que tem 60 anos, integra o Grupo de Trabalho (GT) referente à pasta que chefiou quando o país saiu oficialmente do Mapa da Fome das Nações Unidas.

“Com a mesma esperança, retornamos certos de que é possível reconstruir as políticas públicas e tirar o Brasil, novamente, do Mapa da Fome”

No grupo de trabalho, Tereza tem atuado ao lado de outras experientes mulheres, como Bela Gil, culinarista e defensora de uma alimentação saudável; Márcia Lopes, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Lula; e Simone Tebet, senadora pelo Mato Grosso do Sul e ex-candidata à Presidência da República em 2022.

Ao entrar no GT de Transição e começar a analisar as políticas sociais e de enfrentamento à fome nos últimos anos, a ex-ministra é enfática: “o desmonte foi profundo e generalizado”. Em entrevista exclusiva à Revista Casa Comum, Tereza afirmou que “Reconstruir as políticas públicas não será algo trivial. Nosso objetivo e aspiração é que essa reconstrução viabilize um estado voltado para o povo. Não queremos só renda num cartão [diz em referência ao novo Bolsa Família]. Queremos uma nova geografia, livre da fome e com garantia de direitos.”

Tereza Campello é um dos inúmeros nomes cotados para assumir uma cadeira na Esplanada dos Ministérios a partir de 2023.

Confira a entrevista:

Na área de desenvolvimento social e combate à fome, quais seriam as primeiras ações a serem realizadas pelo presidente eleito Lula a partir do início do seu mandato?

Tereza Campello: Tem algumas medidas que precisam ser tomadas logo na largada do novo governo, aquelas que tenham escala e que possam ganhar uma velocidade de início. Eu destacaria duas: a manutenção dos R$ 600 do Bolsa Família [contido na chamada PEC da Transição, entregue ao Senado Federal no dia 16 de novembro] e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

A Equipe de Transição já está trabalhando nestes programas, para que possam, de imediato, garantir o mínimo de renda na mão das pessoas que estão passando fome no Brasil. E o Bolsa Família é apenas um dos elementos em meio a várias políticas que precisam ser retomadas em escala no Brasil.

Foto: Agência Brasil

O PNAE, um programa que vem desde do período pós Segunda Guerra Mundial, mas que mudou de nome e foi aperfeiçoado, é fácil de ser retomado, porque já há uma rede estruturada e capilarizada no país, a das escolas públicas. No PNAE, um valor é destinado pelo Governo Federal para a alimentação de cada criança, jovem ou adulto presente na escola. Esse dinheiro é usado para compras locais, preferencialmente da agricultura familiar, de produtos frescos e saudáveis.

“A fome e a pobreza são problemas complexos e não são enfrentados com respostas simples”

Assim, chegamos com comida de qualidade para as crianças, um público prioritário e vulnerável, além de fortalecer a economia local. Penso que essas duas ações são de escala e rápidas para atender quem mais precisa.

Além desses dois importantes programas a serem retomados, o que mais pontuaria como prioridades para enfrentar as desigualdades no país e mudar a atual situação econômica?

Tereza Campello: Eu não acredito em milagre e nem em política pública salvadora que organizem o Estado brasileiro a partir do dia 1º de janeiro. A fome e a pobreza são problemas complexos e não são enfrentados com respostas simples. Para enfrentarmos, eles precisam estar na centralidade das ações do governo. Um conjunto de ações têm de ser disparadas a curto, médio e longo prazo.

São demandas estruturais, e não são combatidas com retórica. Fome e pobreza não são apenas uma questão de justiça social ou de direito, é também um problema econômico. Por isso, não basta um só ministério, o do Desenvolvimento Social, trabalhando com essa questão, é preciso todos, é algo multidimensional

E quando falamos que é uma questão de economia, é preciso incluir esses milhões de brasileiros no acesso a alimentos, à água, à luz, à saneamento, à moradia, mas também ao acesso a um um calçado, roupas, a uma geladeira, ao gás. Isso será um dos motores da retomada do crescimento da economia. 

E esse crescimento precisa ser sustentável para não acontecer algo como dizia a professora Maria Tavares: cresce um pouquinho e cai, cresce um pouquinho e cai. O chamado “voo de galinha”.

Como o governo eleito pode atuar para que além da implementação e retomada dessas políticas públicas, o país não fique suscetível a retornos repentinos ao Mapa da Fome, como o que ocorreu nos últimos anos? 

Tereza Campello: Não acredito que existam medidas de precaução. Muitas pessoas falaram que se alguns programas sociais estivessem na Constituição Federal seria diferente, não teriam tantos desmontes, mas eu acredito. Eles [o governo Bolsonaro e aliados no Congresso Nacional] mudaram na Constituição a aposentadoria e a CLT, e nós não conseguimos resistir. Uma das primeiras medidas de Bolsonaro, por exemplo, foi extinguir, por meio de decreto, o Consea [Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional], que estava previsto em lei. E se não fosse por decreto, não ia funcionar, ia continuar lá como um esqueleto no armário.

Foto: Aliança Pela Alimentação Saudável e Adequada 

“Não vamos nos iludir, não existem soluções fáceis. E o presidente Lula sabe disso, que não será fácil, mas que é possível mudar esse cenário”

Só tem uma coisa que impedirá o retrocesso de novo: a organização e fortalecimento da sociedade civil num processo de resistência, crítica e de suporte a um futuro governo. Acredito que a grande questão é como nos organizamos como povo em prol de um modelo de desenvolvimento econômico que seja sustentável e dê suporte ao governo popular. 

Na terceira edição da Revista Casa Comum debatemos, com diversos economistas e populações do campo e da cidade, se há espaço para uma nova economia. Alguns estudiosos, como Pedro Rossi e o professor Ladislau Dowbor, afirmam que não só é necessária, mas que já são notórios exemplos no Brasil e no mundo. Como a senhora enxerga esse cenário?

Tereza Campello: Existe um conjunto de pessoas preocupadas com esse tema. Há experiências espetaculares acontecendo nos territórios e nos movimentos sociais. A exemplo, na pandemia houve um caldeirão de iniciativas, muitas inusitadas e inovadoras, como é o caso do MST [Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra] fazendo doações de alimentos, partilhando o que tinham, e não o que sobrou, assim como o MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto].

São 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil, e outras cerca de 30 milhões que não conseguem fazer todas as refeições do dia. É como se tivéssemos uma França inteira com falta de alimentos.

Agora eu acho muito difícil, dado o tamanho da crise e da tragédia social instaladas no Brasil, que seja possível reverter esse cenário com base apenas nas iniciativas sociais. O que tem sido feito é um movimento da sociedade de resistência, mais do que de reversão dessa situação. E esse é sim um trabalho muito importante e essencial. Mas para mudar esse cenário são necessárias políticas públicas em escala, de abrangência nacional, com o Governo Federal atuando junto com a sociedade.

Confira mais dados sobre o assunto: 

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