Publicado em
22/04/2024
No Dia Internacional da Mãe Terra, 22 de abril, Revista Casa Comum aborda a exploração do planeta e destaca a importância dos povos originários para a manutenção da vida.
Por Elvis Marques
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Por estar tão ligada à reprodução da vida, em muitas culturas, países e religiosidades, a terra é considerada uma figura materna, recebendo o nome de Mãe Terra ou de Pachamama, como nas nações vizinhas ao Brasil.
É da terra que brotam os alimentos que saciam a fome de pobres e ricos, ou um veio d’água que se transforma em um rio de milhares de quilômetros e metros quadrados. É da terra que sobrevivem a fauna e a flora. No entanto, diferentes regiões mundo afora têm violentado, cotidianamente, a fonte de vida para toda a população do planeta e demais seres vivos:
Esses são apenas quatro exemplos dos males que a terra tem sofrido, mas a lista poderia ser infindável. Há, no entanto, populações que levam com afinco o cuidado, a defesa e a luta em prol da Mãe Terra, como os povos originários.
Um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) sintetiza, basicamente, que “as florestas precisam das pessoas, assim como as pessoas precisam das florestas”, o que demonstra o papel fundamental dos povos indígenas, quilombolas, vazanteiros, quebradeiras de coco, pescadores e múltiplos outros como guardiões das florestas e, consequentemente, da terra.
A análise do ISA partiu de mapas sobre o uso de solos preparados para manejo com o conjunto de dados da coleção do MapBiomas para o período de 1985 a 2020. Os resultados da pesquisa mostram – o que vários outros relatórios também apontam – que os povos indígenas e demais comunidades tradicionais são responsáveis, juntos, pela proteção de um terço das florestas brasileiras.
“Nos últimos 35 anos, somente as Terras Indígenas protegeram 20% do total de florestas nacionais”, aponta o Instituto. Segundo a análise, além da tecnologia e conhecimento social no manejo tradicional das florestas, a presença dos indígenas amplia a governança sobre os territórios e promove contribuições socioambientais importantes para recuperar áreas degradadas.
Perspectiva franciscana
“Pensamos a relação com a Mãe Terra de uma forma amistosa, que ela é forte, mas tem as suas fragilidades e paixões, e que temos de aprender a conviver com ela”, contextualiza frei Marx Rodrigues, diretor secretário do Sefras – Ação Social Franciscana. Segundo ele, “É necessário entender que ela precisa de cuidados, e que devemos devolver a ela os frutos que recebemos. São Francisco nos apresenta essa relação amorosa com a Mãe Terra. Ao colocá-la como mãe, há um relacionamento diferente, e não mais de exploração”.
Assim como a pesquisa científica do ISA, esse olhar franciscano para a terra reconhece o papel fundamental dos povos tradicionais, os quais demonstram uma relação sagrada. “Afinal, não existe vida humana sem a terra.” Então, na perspectiva franciscana, a terra é mãe porque ela nutre, produz e oferece tudo de maneira gratuita para que todas as vidas possam existir. Assim, explica o frei, ela é um elemento central da espiritualidade franciscana. Essa concepção, segundo a ordem religiosa, vai ao encontro ao que os povos andinos chamam de Pachamama.
Pachamama
O termo Pachamama, muito utilizado pelas populações andinas – principalmente da Bolívia, Peru e Equador – pode ser traduzido para a língua portuguesa como Mãe Terra, apesar de ser compreendido também de outras formas, como Mãe da Existência, do Tempo ou do Universo. Independente da tradução, é uma expressão que carrega consigo importantes significados, compreendidos facilmente por qualquer pessoa.
Dada a importância da terra para qualquer espécie viva, a Bolívia aprovou, em 2013, a Lei da Mãe Terra e Desenvolvimento Integral para Bem Viver, o que garante, na Constituição do país, os direitos da natureza. “Temos que trabalhar para viver bem e garantir o que necessitamos. Não mais que isso”, destacou Evo Morales, então presidente boliviano, no momento da promulgação da legislação.
O momento histórico foi, entretanto, precedido por muitos debates, protestos e votações, principalmente para que o país garantisse a legalidade das terras de uso comum, ou comunais, com intensas discussões entre o chefe do Executivo e fazendeiros, que não concordavam com a redução do limite das grandes propriedades, tema esse que foi vencido pelo governo por meio de plebiscito.
Ao ser aprovada, a legislação, oriunda de amplo diálogo com organizações sociais e povos do país, garantiu a proteção da Mãe Terra, assim como a recuperação e fortalecimento dos saberes locais e conhecimentos ancestrais.
Um dos capítulos da lei trata dos objetivos e princípios do uso da terra, como a harmonia, determinando que a ação humana deve equilibrar-se com os ciclos e processo da terra; perspectiva de um bem coletivo, ou seja, que os interesses sociais e de todos são mais importantes que os interesses individuais; garantia de recuperação da terra, que deve-se dar tempo para que a terra se recupere e se adapte às perturbações, regenerando-se sem mudar suas características, entre outros pontos.
Para o Sefras, o Brasil também deveria caminhar para um projeto de legislação como o do país vizinho e de outras nações, a fim de reconhecer e determinar os direitos e os deveres da população para com esse bem essencial para a existência humana.
Na nação brasileira, apesar de não ter uma legislação específica e abrangente sobre os direitos da natureza, lideranças indígenas como Célia Xakriabá, primeira deputada federal indígena por Minas Gerais, nos aponta caminhos e mostra o quão a terra e o território são importantes e têm valor inestimável: “negociar nosso território é negociar as nossas vidas. É um genocícidio, porque nos mata coletivamente pela negação do nosso direito territorial”, destacou a mineira em entrevista para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Entre os dias 22 e 26 de abril, milhares de indígenas de diferentes povos irão se reunir em Brasília para lutar pela garantia de seus direitos.
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