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Territórios Casa Comum

Publicado em

19/04/2024

Acampamento Terra Livre: 20 anos de luta, resistência e demarcando espaços

Entre os dias 22 e 26 de abril, milhares de indígenas de diferentes povos irão se reunir em Brasília para lutar pela garantia de seus direitos.

Por Luciene Kaxinawá*

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Duas décadas são 240 meses, 7.305 dias e 1.753.20 horas. Esse é o tempo de existência da maior mobilização indígena do Brasil, onde mais de seis mil indígenas de diferentes povos se reúnem em um mesmo espaço em busca de garantia de direitos, debates que envolvam a comunidade indígena, direito humanos e meio ambiente. 

O Acampamento Terra Livre (ATL), a maior Assembleia dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, acontece desde 2004. Surgiu a partir de uma ocupação realizada por povos indígenas do sul do país em frente ao Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios em Brasília, e, logo depois, lideranças e organizações indígenas de outras regiões do país aderiram a essa mobilização, principalmente das áreas de abrangência da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste e Minas Gerais (APOINME).

O Acampamento Terra Livre é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas sete organizações regionais de base: Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa. Acontece sempre no Abril Indígena, mês que também é marcado pelo dia 19/04 – Dia dos Povos Indígenas. Mesmo durante a pandemia a mobilização não deixou de acontecer e, nesse período, o encontro foi virtual. 

Conquistas 

Com a realização de várias edições ao longo dos anos, foram possíveis conquistas significativas, como a criação do Conselho Nacional da Política Indigenista (CNPI), a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGATI) e da participação de representantes dos povos indígenas em instâncias ou colegiados que tratavam assuntos de seu interesse, relacionados com a promoção e efetivação dos seus direitos fundamentais. 

Os documentos finais de cada uma das edições apresentam a leitura política do movimento sobre os governos Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, se posicionam sobre o processo de desmonte das políticas e estruturas indigenistas do Estado, e registram reiteradamente as suas demandas e reivindicações históricas.

A principal reivindicação que permanece ao longo dos anos 

Não é à toa que nesta 20ª edição do ATL o tema é “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui”. Trata-se de demarcação de territórios, uma luta antiga e que põe em risco diversos indígenas e povos no Brasil inteiro. Esse é um tema central e que norteia várias discussões, pois sem território não há saúde, educação, vida, economia e nem nós, indígenas. Essa é uma pauta que também diz respeito a nossa integridade física e segurança. 

De acordo com um levantamento feito pelo Coletivo Proteja, no primeiro mês da aprovação do chamado Marco Temporal (Lei nº 14.701/2023), seis lideranças indígenas foram assassinadas no Brasil. O dado é referente ao período de 14 de dezembro de 2023 – data em que a lei entrou em vigor – a 21 de janeiro de 2024.  No mesmo intervalo, também foram mapeados 13 conflitos em territórios localizados em sete estados. E, ainda, segundo o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entre 2019 e 2022 foram assassinados quase 800 indígenas no país.

Para a Apib, a Lei nº 14.701 representa o genocídio dos povos originários, pois a violência constante nos territórios é resultado da legalização do Marco Temporal, aprovado em 2023 pela bancada ruralista do Congresso Nacional, que tem promovido diversos ataques contra os direitos dos povos indígenas. Para a Articulação, a paralisação das demarcações de terras indígenas agrava esse cenário de violência. “Em termos de demarcação, fiscalização e proteção territorial, ainda falta muito a ser feito no atual governo”, diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

524 anos de resistência e 20 anos de ATL

Neste ano, o ATL acontecerá entre os dias 22 a 26 de abril, na Fundação Nacional de Artes (Funarte), em Brasília (DF). A programação desta edição contará com a plenária “ATL 20 anos: ferramenta de luta política do Movimento Indígena”, homenagem às lideranças históricas do Movimento Indígena que fazem parte dessa construção; encontros entre anciãos e anciãs com a juventude; e leitura e entrega de Carta Manifesto do Movimento Indígena, entre outros momentos.

No dia 23, acontecerá a primeira marcha “Emergência Indígena: nossos direitos não se negociam”, que deve percorrer do local do acampamento até a Esplanada dos Ministérios. Ainda no dia 23, haverá uma sessão solene no Congresso Nacional e a plenária “Os desafios enfrentados pelos povos indígenas frente à aprovação da Lei do Marco Temporal”. A programação inclui também plenárias e debates que envolvem a representação e participação de indígenas na política partidária, educação indígena, gestão ambiental e territorial de Terras Indígenas, clima e da biodiversidade.

Um dos assuntos que também ganhará destaque nesta edição é o bem viver indígena e saúde mental, já que há registros altíssimos de suicídio entre a população indígena. Estudos apontam que a taxa de suicídio entre indígenas é três vezes superior à média do país. Um estudo feito por pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard (EUA) e do Cidacs/Fiocruz Bahia (Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fundação Oswaldo Cruz), apontou que a população indígena lidera os índices de suicídio e autolesões no Brasil, mas tem menos hospitalizações. Conforme o estudo, isso revela a precariedade no atendimento médico e no suporte à saúde mental para as famílias indígenas. A faixa etária mais afetada é entre 10 e 24 anos. A pesquisa foi feita com dados entre 2011 e 2022 e publicada na revista The Lancet

“É sufocante ver isso. Há mais de 500 anos lutamos pelas nossas vidas e territórios, mas a violência contra nós foi legalizada no ano passado com a aprovação da ‘lei do genocídio’. Por isso, o Marco Temporal é tema e o principal debate do ATL 2024. O Brasil é Terra Indígena e o acampamento irá evidenciar ainda mais isso”, diz Tuxá.

Participação de mulheres

Em busca da superação de desigualdades de gênero e maior incidência em processos de tomada de decisão, a participação das mulheres ao longo dos anos vem crescendo. Agora, mais articuladas e distribuídas em organizações, mulheres fazem parte de delegações que participam desse movimento, como por exemplo a Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR), fundada em 2015 com o objetivo de fortalecer a articulação das mulheres indígenas do estado. Hoje, a AGIR reúne mais de 500 mulheres atuando em nome de 54 povos em prol da superação das desigualdades e da defesa dos direitos dos seus povos e seus territórios. A mobilização dessas mulheres tem ganhado cada vez mais espaço, afirmando sua importância para o crescimento do Movimento Indígena como um todo.

A Associação também marcará presença na edição histórica desses 20 anos de ATL. “A importância da AGIR estar presente será mostrar que as mulheres indígenas estão realmente preocupadas com os direitos e territórios. É preciso que também possamos acompanhar os debates e as tomadas de decisões, onde nós mesmas podemos falar e dar destaque às mulheres indígenas do estado de Rondônia”, diz Leonice Tupari, coordenadora da AGIR.

Cada delegação arca com as despesas de logística para a ida até Brasília. Algumas instituições passam um ano se planejando para esse momento. Como geralmente não contam com recursos suficientes, precisam de doações, apoios e/ou se juntam com outras delegações e organizações, como é o caso da delegação de Rondônia este ano. “AGIR estará presente no ATL 2024. Vamos de ônibus, dividindo o transporte com a Opiroma, com mulheres que fazem a diferença. Estamos com apoio do COMIN, Forest Trends, COIAB, KANINDÉ e apoio da Funai e DSEI Porto Velho”, afirma Leonice.

Uma das mulheres que também fez parte dessa trajetória é Sonia Guajajara, atual Ministra dos Povos Indígenas que atuou na coordenação executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em dois mandatos, sendo o primeiro entre os anos de 2013/2017 e o segundo entre 2017/2021.

* Luciene Kaxinawá é a primeira jornalista e apresentadora indígena da TV Brasileira. Jornalista formada em 2019, é indígena do povo Huni Kuin (que significa ‘povo verdadeiro’), também conhecido como Kaxinawá, que vive em territórios localizados entre a fronteira do Brasil com Peru. Iniciou na profissão em 2014, aos 18 anos, como repórter em um canal temático da região Norte. Em sua trajetória, além de repórter, Luciene passou pela produção de conteúdo, edição de imagens, apresentação e supervisora de imagem em uma emissora afiliada à Rede Globo em Rondônia. Atuante nos movimentos indígenas, colabora voluntariamente como comunicadora da Rede de Jovens Comunicadores da Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. Atualmente é apresentadora no Canal Futura da Fundação Roberto Marinho e colunista no Portal Terra. Vencedora do Prêmio Mulher Troféu Imprensa: Regionalidades Categoria: Norte.

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