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Vozes em Ação

Publicado em

08/04/2024

Vozes em Ação 8ª edição: Monica Seixas e Odja Barros

Vozes em Ação que integra o Em Destaque da 8ª edição da Revista Casa Comum.

Por Isadora Morena e Maria Victória Oliveira

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Monica Seixas.
Foto: Divulgação

Quem vê Monica Seixas – jornalista, ambientalista, feminista e ativista do movimento negro – em seu segundo mandato como deputada estadual em São Paulo, não imagina que sua atuação política e militância começaram quase como um acidente de percurso.

“Eu sou filha de pequenos produtores rurais. Meu padrasto tinha como profissão oficial porteiro, mas plantava no fundo de casa para complementar a renda. Minha mãe era empregada doméstica, mas também plantava no fundo de casa. Éramos muito miseráveis. Eu, uma menina negra, não tinha contato com a minha cultura, com meu povo, porque minha mãe é branca e o meu pai não fez parte da minha vivência”, conta.

Foi, aos 13 anos, que Monica deu uma virada de chave em sua vida. Ela testemunhou as crianças da escola pública na qual estudava em Itu, no interior do Estado, se organizando no Grêmio estudantil para decidir, entre outras coisas, sobre a cor do uniforme e a frequência de salsicha na merenda escolar. Para ela, o momento foi forte e transformador. “Eram crianças pobres, da minha idade, que se entendiam como sujeitos. Foi uma nova janela que se abriu. Todo o resto foi acidente, não foi nada planejado, e, desde então, eu milito. O que me move é a revolta sobre um estado de coisas.”

Hoje, enquanto deputada, Monica faz parte de um mandato coletivo com o Movimento Pretas, composto por seis mulheres além dela, as “codeputadas”. O modelo consiste em uma estratégia na qual um(a) representante político divide seu gabinete, suas responsabilidades e deliberações com cidadãos, como uma forma de aumentar a participação política da população.

Apesar de o Pretas ter sido eleito com mais de 100 mil votos, Monica vê o modelo como um meio para o fim, isto é, um processo para que espaços institucionais de política comportem mais a diversidade do Brasil. A deputada critica o sistema eleitoral brasileiro, por entender que o país ainda não vive uma democracia real, para todos e todas. Em sua avaliação, a institucionalidade não consegue resolver os desafios vivenciados diariamente por aqueles e aquelas que ela deseja representar.

“Não quero que todo mundo tenha mandatos coletivos. Quero que vários indivíduos diferentes e plurais estejam representados na democracia. […] Para mim, [o Movimento] Pretas é forçar a democracia do nosso jeito. É a certeza de que ela ainda não chegou a todos e todas, mas estamos forçando para caber mais gente, estamos criando algo que não existe. É doloroso. O tempo todo dói em mim e dói nas minhas codeputadas, porque mover as estruturas é muito pesado. Esse é o meio do caminho, não é o final.”

Para Monica, é, nesse contexto, que se dá a importância de que pessoas pobres, periféricas, mulheres, pessoas com deficiência (PcDs), indígenas e LGBTQIA+ também tenham espaço na política, “não só porque são corpos excluídos, mas porque a cabeça pensa onde o pé pisa”. Os mandatos coletivos são, então, nada mais do que uma tentativa de “fazer caber mais gente”, sobretudo mulheres, que ainda não conseguem competir em pé de igualdade com homens brancos empresários.

Apesar das críticas ao modelo, Monica define o mandato coletivo como o “quilombo para as guerreiras que vão para o enfrentamento”, bem como uma forma de pensar e formular coletivamente e ter contato com realidades que não conhece. “O mandato coletivo é mais democrático para um país que tem uma cultura política colonial. Tudo o que foi produzido só foi possível porque tenho mais gente pensando comigo e em mais lugares ao mesmo tempo.”

Atualmente, Monica comenta que observa com preocupação a ascensão de uma extrema-direita e a formação de frentes amplas que, apesar de formadas para vencer a extrema-direita, procuram barrar pautas radicais e as próprias candidaturas de mulheres negras, por exemplo.

“Algo que eu valorizo muito é essa comunidade que luta”: pastora Odja Barros lidera Igreja que é símbolo de mobilização popular em Maceió

Odja Barros. Foto: Arquivo pessoal

As experiências de fé e de política se confundem na trajetória de vida de Odja Barros, pastora batista que, há 30 anos, conduz uma comunidade de fé na cidade de Maceió e que optou por ter o evangelho como instrumento de transformação social.

A pedagoga e, também, escritora pastoreia a Igreja Batista do Pinheiro, considerada patrimônio material e imaterial do estado de Alagoas. A igreja, existente há 53 anos, está localizada em Pinheiro, um dos bairros de Maceió atingidos pelo crime ambiental da Braskem.

“Somos uma comunidade refugiada ambiental”, afirma a pastora Odja. Desde dezembro de 2023, a comunidade está impedida por via judicial de acessar seu templo. Segundo Odja, o prédio não está localizado no epicentro da crise, mas há um mapa definido pela Braskem que delimita as áreas de
interesse da mineradora.

Em meio a uma terra arrasada, o templo em pé é símbolo de resistência. “Nós somos o único equipamento que continua lá e que eles [a Braskem] não são donos”, explica a pastora. “A Igreja decidiu, desde o início dessa luta, não abrir negociação com a Braskem. Isso mostra como essa Igreja tem consciência da sua profecia, do seu papel político. Mesmo sofrendo inúmeros prejuízos”, declara Odja.

As decisões sobre o enfrentamento ao crime ambiental são todas tomadas coletivamente pelos membros da comunidade de fé. Segundo a liderança, “o poder máximo da Igreja é a assembleia local, então, nada se decide sobre esse tema, nem nunca se decidiu sobre outros temas, sem a comunidade discutir e votar.”

Além de ter a democracia como princípio, a Igreja Batista do Pinheiro é também referência por ser inclusiva e comprometida com outras lutas sociopolíticas. O engajamento dessa comunidade se deu gradualmente, ao longo dos 30 anos de pastoreio de Odja e seu marido, devido a uma mudança de perspectiva sobre o evangelho.

“A leitura popular da Bíblia foi a minha grande virada de chave”, sentencia a pastora. A partir de suas inquietações, se aproximou de grupos ecumênicos e foi se apropriando de outra maneira de ler a Bíblia, “que sobretudo valoriza a comunidade como protagonista, fazendo uma leitura tanto mais crítica das estruturas quanto mais engajada e comprometida com transformações sociopolíticas.”

Desse estudo crítico dos textos sagrados, a educação popular passou a ser a linha condutora da sua prática religiosa. E, ao observar sua própria condição de mulher e a comunidade que ela liderava, em sua maioria feminina, passou a se aproximar dos estudos de gênero.

Na Igreja Batista do Pinheiro, nasceu o grupo Flor de Manacá, um coletivo pioneiro de estudo bíblico com o objetivo de “desconstruir a leitura patriarcal que sustenta essa cultura de violência contra as mulheres”, afirma Odja. A compreensão antipatriarcal da Bíblia levou a Igreja a avançar no acolhimento da comunidade LGBTQIA+ e, inclusive, a caminhar em direção a um estudo bíbíco antirracista, integrando as lutas da cidade em diversas frentes e inspirando outras igrejas.

Odja, porém, não se considera uma ativista sociopolítica.

“Muito do que eu posso fazer como uma liderança nesses movimentos tem a ver com o suporte que essa comunidade me dá, me autorizando a ir, construindo essa caminhada coletiva e pastoral de luta, com essa força de um grupo de fé. Não é um trabalho isolado. A minha caminhada é mesmo pastoral comunitária. Tudo o que eu vou levando para as lutas é, sobretudo, bandeiras que a gente trabalha primeiro no âmbito comunitário. Algo que eu valorizo muito é essa comunidade que luta.”

Segundo a pastora, a Igreja Batista do Pinheiro vai deixando “outro sinal de que comunidades de fé podem ser esses agentes de um fazer sociopolítico, de uma relação de fé e política diferente.”

Fique por dentro

O presente Vozes em Ação integra o destaque da 8ª edição da Revista Casa Comum. A reportagem traz a chamada: A democracia vivenciada no dia a dia da população brasileira. Leia aqui.

Ainda, os destaques das conversas com Monica e Odja deram origem ao nono episódio do Podcast Casa Comum, que você pode ouvir abaixo.

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