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Publicado em

24/01/2023

Acordo global pela biodiversidade e as urgências de um mundo em colapso

Por Paula Piccin, jornalista especialista em comunicação de causas e meio ambiente, coordenadora de comunicação do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)

Sociedade civil resiste e protesta em Sharm el-Sheikh durante a COP-27. Foto: Reprodução Mídia Ninja

A Conferência da ONU sobre o Clima (COP27) aconteceu no Egito em novembro, na sequência das eleições brasileiras. A visibilidade do tema no mundo e a urgência em definir um acordo para enfrentar a crise climática, combinadas à mudança de postura governamental do Brasil (com a participação do novo governo de transição na época) causou enorme repercussão. 

Já em dezembro, com menos barulho do que merecia, e em meio a uma Copa do Mundo de futebol, aconteceu a COP da Biodiversidade (COP15) e a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), em Montreal (Canadá). Embora sob menos holofotes do que a conferência climática, mas tão urgente quanto, o encontro foi decisivo e histórico na definição de um novo marco global sobre a biodiversidade do planeta. Nada menos do que o futuro da vida na Terra, inclusive da espécie humana, é bom não esquecer. 

As ações humanas estão afetando a biodiversidade em uma velocidade impressionante. Pesquisas já confirmaram que estamos caminhando em um ritmo mil vezes maior de destruição e de extinção de espécies, do que se ela acontecesse de forma natural. Perdemos seres vivos que sequer foram conhecidos pela ciência e aqueles já conhecidos estão em constante risco.  

A extinção de uma espécie é algo muito impactante para a vida de um ecossistema – a anta-brasileira, por exemplo, já extinta no Ceará, tem uma grande função porque ela é uma jardineira: repõe plantas e árvores no ambiente a partir dos frutos e sementes que come, digere e deposita no solo. De acordo com dados do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), perder uma anta é perder um agente que mantém florestas vivas, das quais todos nós somos dependentes.

Com o intuito de frear a perda de vida e recuperar áreas florestais para conservação da biodiversidade, os quase 190 países participantes da COP15 definiram 23 metas para serem cumpridas inicialmente até 2030. Algumas delas, amplamente debatidas, geraram discussões acaloradas muitas vezes. 

Considerada uma das mais importantes, a Meta 3 (apelidada de 30×30), compromete os países signatários a assegurar e possibilitar que, até 2030, pelo menos 30% das áreas terrestres, de águas interiores, costeiras e marinhas sejam efetivamente conservadas. Definir essa porcentagem foi claramente importante, mas se considerarmos o Brasil e seu tamanho continental, nacionalmente ela merece ser mais ambiciosa, porque corremos o risco de se convencionar que o país já conserva o necessário, o que não é verdade

A necessidade de se manter a biodiversidade brasileira é urgente. O Brasil é o país mais megadiverso do mundo, com graus de endemismos elevados, ou seja, há espécies que só existem aqui, numa determinada porção florestal e em nenhum outro lugar. 

Além disso, nossas florestas prestam serviços ambientais extremamente relevantes como a regulação do clima promovida pela Amazônia – que influencia muita coisa, em especial a agricultura em várias partes do país. Porém, segundo dados da Global Forest Watch, nossos índices de devastação nacionais e internacionais batem recordes: em quatro anos houve aumento de 60% na devastação da Amazônia no Brasil (INPE), e fomos responsáveis pela devastação de 40% das florestas tropicais primárias no mundo, em 2021.  

Ativistas realizaram intervenção no Pantanal cacerense duante a COP. Foto: Reprodução Escola do Ativismo

Outro destaque do documento global, foi o reconhecimento dos territórios indígenas como parte da solução para a conservação, após intensos debates e pressão de alguns representantes presentes no evento. O documento final, embora não contemple todos os elementos que os grupos indígenas e de comunidades locais gostariam e mereciam, aponta a necessidade da conservação da biodiversidade “reconhecendo territórios indígenas e tradicionais, quando aplicável”. 

O saber ancestral e o papel dos povos da floresta, ao protegerem e manejarem de forma sustentável a biodiversidade, precisam ser defendidos. Da mesma forma, a sua participação em decisões políticas e os direitos sobre seus territórios devem ser uma bandeira se o propósito é a conservação socioambiental. Levantamentos internacionais e brasileiros afirmam que as Terras Indígenas são espaços de amortecimento para a devastação florestal.

E, de acordo com o MapBiomas (2020), os territórios indígenas estão entre as principais barreiras contra o avanço do desmatamento no Brasil. Nos últimos 30 anos, as Terras Indígenas perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 20,6%

É claro que não iriam faltar discussões acirradas sobre mobilização de recursos para a conservação da biodiversidade em uma conferência dessa magnitude. O Brasil e outros países em desenvolvimento fizeram a diferença ao se retirarem da mesa de negociação como forma de pressão para que países desenvolvidos decidissem por um apoio financeiro com mais ambição e comprometimento, o que chegaram a negar em determinado ponto das negociações. 

No final, todos os países partes da CDB concordaram em aumentar os fluxos financeiros internacionais de países desenvolvidos para países em desenvolvimento, em particular países menos desenvolvidos, pequenos Estados insulares em desenvolvimento e países com economias em transição, para pelo menos 20 bilhões de dólares por ano até 2025, e pelo menos30 bilhões de dólares por ano até 2030. Os valores dedicados a investimentos em países em desenvolvimento ficaram em 30 bilhões de dólares, muito abaixo do esperado pelos países do sul global.

Para além dos recursos financeiros oriundos de possíveis futuros fundos para a conservação da biodiversidade, o aspecto econômico foi pauta constante, seja na mesa de negociações em plenária ou em eventos paralelos com participação da sociedade civil, de governos e empresas. Bioeconomia, por exemplo, foi destaque das conversas que enfatizam a necessidade urgente do uso correto da biodiversidade como um ativo, especialmente no Brasil. Espera-se que finalmente nos próximos anos se encontrem sistemas de produção e práticas possíveis de serem implementados e que ganhem a escala necessária, com participação social – de indígenas e populações locais e tradicionais.

No modelo de vida atual que nos é imposto, está muito claro que para garantir a participação de todos os países na conservação da biodiversidade é necessário que as ações estejam de acordo com os interesses socioeconômicos dos países envolvidos. A tentativa de conciliar interesses comuns em um grande compromisso global é algo desafiador ao extremo e por si só louvável de alguma maneira.

O estabelecimento de metas que ajudem a garantir a continuidade da vida na Terra, seja por meio do equilíbrio climático ou da diversidade de vida, é um passo importante, mas ele só vai ser válido se conseguirmos agir com rapidez e, acima disso, reavaliarmos os padrões sociais e econômicos baseados majoritariamente no consumo em larga escala dos ativos naturais que nos trouxeram ao colapso que vivemos e que puseram em risco a vida na Terra como conhecemos. 

Na roupa, um alerta “a enchente está chegando”. Foto: Reprodução Mídia Ninja

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