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Publicado em

29/11/2022

A COP-27 e as perspectivas para a defesa e proteção dos direitos socioambientais

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – a COP-27 – aconteceu de 6 a 18 de novembro em Sharm El Sheikh, Egito
Por Monica Ribeiro

O mundo se reúne, mais uma vez, em torno da emergência climática. A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – a COP-27 – aconteceu de 6 a 18 de novembro em Sharm El Sheikh, Egito, reunindo mais líderes nacionais, organizações da sociedade civil, academia e outros atores que buscam soluções para mitigar e adaptar o planeta ao aquecimento global e às consequências trazidas por ele, e já sentidas em muitas partes do mundo. 

A temperatura média global hoje está 1,1ºC acima da média pré-industrial (1850 a 1900), e os últimos sete anos foram os mais quentes já registrados. Os dados são da World Meteorological Organization (WMO), que mede as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa.

O Acordo de Paris, assinado em 2015, cujo objetivo principal era reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC, foi amplamente comemorado como norteador de uma mudança. No entanto, decorridos sete anos, o mundo segue batendo recordes de aumentos de temperatura. 

O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicou que, para limitar o aquecimento a 1,5ºC, as emissões precisam parar de crescer em 2025 e cair 43% até 2030 (em relação aos níveis de 2019). O documento destacou a necessidade de transformações rápidas, em todos os setores, para evitar os piores impactos climáticos, mudanças de comportamento e estilo de vida com papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas, a necessidade de remover carbono da atmosfera e de aumentar o financiamento climático de três a seis vezes até 2030.

Desde a COP-21, na qual foi assinado o Acordo de Paris, até o ano passado, na COP-26, a ênfase esteve em fechar regras para manter o aquecimento médio do planeta em 1,5ºC, tornando o Acordo operacional e finalizando detalhes para sua implementação prática por meio do chamado Livro de Regras de Paris. Os países concordaram em entregar compromissos mais fortes em 2022, incluindo planos nacionais com metas mais ambiciosas, mas apenas 23 dos 193 países apresentaram planos à ONU até o momento. 

Tendo avançado sobre isso, a COP-27 teve como expectativa endereçar como obter os recursos necessários para implementar medidas que já estão definidas como fundamentais para incrementar a mitigação e manter a meta de aquecimento em 1,5ºC; e como lidar com a agenda de adaptação e perdas e danos, ligada aos países mais pobres e vulneráveis à emergência climática. 

O investimento em adaptação significa preparar os países para enfrentar os inevitáveis efeitos atuais e futuros do aquecimento global, muitos dos quais já são evidentes, como secas e chuvas extremas, enchentes, deslizamentos etc. As regiões mais atingidas pelos efeitos da emergência climática lidam e lidarão, cada vez mais, com as perdas e danos causados por eles. 

A expressão “justiça climática” tem se destacado pela ação de movimentos socioambientais em conferências da ONU. Reconhecida no Acordo de Paris, a ação é clamada, sobretudo, por juventudes ativistas que destacaram, na COP-26, em 2021, não existir justiça climática sem justiça racial. As populações negras e indígenas, e, em especial, as mulheres pertencentes a esses grupos, são as mais atingidas pelo impacto da emergência climática. 

A emergência climática afetará cada vez mais a saúde, a vida e os meios de subsistência das pessoas, incluindo sistemas de energia, transporte e produção de alimentos. O mundo será suscetível a riscos trazidos por eventos extremos e mudanças de início lento, mas com grande impacto na vida de boa parte da humanidade, como a elevação do nível do mar.

A mensagem é clara: o mundo não está fazendo o suficiente para combater as emissões de carbono e proteger o futuro do planeta. É preciso apresentar metas mais ambiciosas para 2030, pois os planos atuais não darão conta de manter o planeta na meta de temperatura traçada. 

A COP

Uma transição justa para a economia de baixo carbono está também no horizonte das COPs há algum tempo, com foco em trabalhadores e trabalhadoras que atuam em áreas que serão fortemente afetadas pela transição.
Na COP-24, foi assinado o “Acordo de Solidariedade e Transição Justa – Declaração da Silésia”, pedindo mais progresso na abordagem da vulnerabilidade do trabalho em setores intensivos em carbono que enfrentam risco de transição.
Na COP-25 foi adotado o Plano de Ação de Gênero, que reconheceu a importância de envolver mulheres e homens igualmente no desenvolvimento e na implementação de políticas climáticas nacionais sensíveis ao gênero.
E, ano passado, na COP-26, mais de 30 nações assinaram a Transição Justa de Glasgow, enfatizando a necessidade de que nenhum trabalhador(a) ou comunidade seja deixado para trás na transição.
Nesta COP-27, foram realizadas mesas sobre Transição Justa e sobre Mudança Climática e a Sustentabilidade de Comunidades Vulneráveis. 

Atingidos devem ser ouvidos e participar das tomadas de decisão

As consequências da emergência climática não são sentidas da mesma forma por todas as regiões, grupos e pessoas. Por essa razão, é preciso que os mais diferentes grupos tenham suas vozes ouvidas e amplificadas na busca de soluções e tomadas de decisão, de modo a não reproduzir lógicas coloniais também nas soluções propostas para combater a emergência climática.

Durante a COP-26, realizada no ano passado em Glasgow, na Escócia, movimentos negros, indígenas e juventudes estiveram presentes liderando a Marcha Global pelo Clima, levando suas vozes e participando ativamente das discussões. Na COP-27, a participação é marcante, com mais de 30 mil pessoas representando governos, empresas, ONGs e grupos da sociedade civil.

O Brasil participou dessa edição com três pavilhões: o oficial, do governo brasileiro atual, em fase final de mandato; o dos governadores da Amazônia, que levaram suas demandas específicas ao mundo; e o pavilhão que abrigou as organizações da sociedade civil que já atuam ou buscam apoio para suas ações no combate à emergência climática. Dezenas de organizações brasileiras participaram. 

O Brazil Climate Action Hub, iniciativa do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e do Instituto ClimaInfo, desde 2019, vem se consolidando como o espaço da sociedade brasileira em sentido mais amplo, acolhendo diferentes perspectivas, projetos e planos elaborados por pessoas e organizações comprometidas com um Brasil mais diverso, inclusivo, sustentável e justo. Na COP-27, a intenção foi expandir articulações e buscar sinergias com outros países do Sul Global, além de discutir a capacidade do Brasil de liderar a transição climática justa e como dar escala a soluções para a crise ambiental. A agenda proposta por organizações da sociedade civil para o espaço foi bastante plural. 

O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) é uma das organizações que participou da COP-27 com a agenda da preservação do Cerrado, que já contabiliza desmatamento e conversão ecossistêmica de metade de sua área natural, em grande parte para a agricultura de commodities. O bioma tem ampla produção de alimento e produz serviços ecossistêmicos fundamentais para o país, concentrando as nascentes de mais da metade das bacias hidrográficas do Brasil. A organização alerta que, assim como a Amazônia, é preciso olhar para o Cerrado quando o assunto é mudança climática e mitigação.

Ao lado de outras organizações, o Instituto buscou contribuir para o debate sobre direitos humanos, direitos territoriais e cumprimento da Declaração de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra em relação aos desafios climáticos.

Além de membros de sua equipe de assessoria técnica e de comunicação, o ISPN apoiou a participação de representantes da CONAQ (Confederação Nacional de Articulação das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas) e da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) na COP. 

“A questão da inclusão socioambiental nada mais é do que trazer quem está vivenciando na pele a questão das mudanças climáticas no dia a dia, de forma muito nua e crua. É quem tem quebra de safra e não tem acesso a crédito, apoios governamentais ou subsídios. É quem está vendo o rio atrás de casa secar e não pode fazer nada para mudar isso”, exemplifica Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Caatinga e Cerrado do ISPN. 

O Programa já trabalha com adaptação à emergência climática, em especial, com as chamadas tecnologias de convivência com o semiárido: “Uma vez que a família tem uma ou duas cisternas – a da primeira água, de consumo, e a da segunda água, de produção – ela fica um pouco mais autônoma quanto às vontades políticas e consegue ter maior resiliência em relação às variações climáticas.”

Isabel lembra que, quando começou a trabalhar no Cerrado, há cerca de 15 anos, não se falava muito em falta d’água e, hoje, já se veem rios secando e a produção agrícola ameaçada por causa das mudanças climáticas. “Buscamos trabalhar a questão da conservação ambiental como ferramenta para a inclusão social, entendendo que, se temos um ambiente saudável, surgem mais soluções de geração de renda a partir da floresta em pé, do cerrado em pé, da caatinga em pé. E essas famílias aproveitam os produtos de suas roças e os produtos de suas áreas nativas com mais opções de geração de renda, estando mais inseridas na vida econômica, tendo mais acesso a dinheiro para viabilizar o transporte, a universidade, investimentos na propriedade e proteção das questões climáticas.”

Garantia de direitos e conexão com a natureza

A Casa Galileia trabalha com a mobilização dos públicos cristãos do Brasil para temas relacionados à justiça socioambiental, democracia e direitos humanos, reunindo um time de pessoas dos campos católico e evangélico progressista e democrático. 

“Sempre tivemos muito, em nosso DNA, desse trabalho com as questões socioambientais, que são centrais hoje para a garantia dos direitos humanos. É um debate que já mobiliza públicos cristãos. O lado católico no Brasil tem bastante atuação nesse sentido com o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), a Repam (Rede Eclesial Pan-amazônica), o Movimento Laudato Si e a Cáritas Brasileira. Quem divulga o relatório de conflitos no campo é a Comissão Pastoral da Terra. E no lado evangélico, também temos a conexão Evangélicos pelo Clima. Muitas lideranças progressistas cristãs envolvidas com o tema atuam hoje no país. São coisas muito ligadas,” analisa Leon Souza, diretor de engajamento social da Casa Galileia. 

Leon destaca que um grande desafio colocado para o debate relacionado à emergência climática é fazer com que as populações que mais sofrem com seus efeitos estejam no centro do debate político e das políticas públicas sobre o tema. 

“O debate sobre as mudanças climáticas caminha por um lado extremamente institucionalizado, que é fundamental, mas, por outro, temos essas comunidades do campo e da cidade que sentem seus impactos sem muitas vezes identificá-los com esse nome. Nós categorizamos como mudança climática esse conjunto de fenômenos e modificações que o clima tem sofrido, e precisamos disso para fazer negociações, dar passos para garantir políticas públicas. Mas, se não trazemos as populações que sofrem com isso na escala das suas vidas, temos um risco muito grande de seguir com políticas extremamente descoladas da realidade dessas pessoas. Precisamos garantir uma participação real, e não apenas simbólica.”

Outro ponto destacado por ele são as diferentes cosmovisões sobre a questão ambiental, que precisam ser levadas em consideração no caminho pela justiça socioambiental no âmbito da emergência climática. 

“Se a gente não reconhecer na arena política essas diferentes concepções do que é natureza, do que é ambiente, não vamos avançar. Essa concepção moderna que nos separa da natureza, como se o meio ambiente estivesse em um lugar e nós em outro, não é comum a todas as sociedades. Há sociedades que se entendem como parte da natureza. O grande desafio está nessa dimensão da cosmopolítica, de como é que essa racionalidade da política nossa, moderna, vai lidar com outras concepções de tempo e natureza que não são as nossas, que são as dos povos e comunidades tradicionais, por exemplo.”

Leon destaca que, sobretudo, quem vive na cidade foi educado em um sistema moderno, urbano, industrial, que traz uma ideia de condição de “superioridade” em relação ao campo e a outros modos de estar no mundo. E hoje percebe um movimento de retomada da relação que se tem com a natureza e da concepção de humano e não humano como fundamental na mudança de paradigma.

Seca expõe ruínas de cidades inundadas para a construção da barragem de Sobradinho (Marcello Casal Jr./ Agência Brasil)

“Fomos educados em uma lógica extremamente neoliberal, de dualismo cidade versus campo, civilização versus natureza, enfim, e tudo isso tem a ver com esse momento em que nós chegamos, extremamente conservador. No Brasil, no mundo inteiro. São 30 anos da Rio 92 e a sensação que temos é que as coisas só pioram a cada relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Por muito tempo, acreditamos que, para salvar o planeta ou enfrentar a emergência climática, bastava a tecnologia, com essa concepção moderna de que a humanidade teria uma pretensa superioridade técnica sobre a natureza. O Papa Francisco é muito assertivo quando critica esse paradigma tecnocrático na Encíclica Laudato Si. Precisamos da tecnologia, mas essa relação do ser humano com os outros seres e a própria terra talvez passe por coisas que deixamos de lado, que são coisas que os povos indígenas, ameríndios, quilombolas, ribeirinhos e pessoas que vivem na cidade e concebem outras formas de relação com o espaço trazem. Uma relação não de dicotomia, mas de comunhão.”

Ele analisa que tudo isso ocorre, no momento atual – extremamente conservador –, como um projeto ambiental catastrófico que se alastra pelo Brasil, intensificado nos últimos quatro anos, que propõe, dentre outras coisas, tirar os povos indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos de uma situação de “barbárie” e trazê-los para uma condição de “civilizados”. 

O que significa fazer com que abandonem a lógica de que são parte da natureza e facilitar a exploração predatória de terras para atividades pouco virtuosas, que degradam os ecossistemas – hoje, em grande parte, conservados por essas populações – e ampliam o lucro de poucos. Invisibilizando e aniquilar todas as formas de interconexão com o ambiente e com a natureza, que também somos nós. 

Conheça as organizações:

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