Publicado em
11/10/2022
No exterior, o país está isolado em debate climático e ambiental, e pesquisadoras argumentam que o governo brasileiro deveria levar pautas e compromissos ambientais a sério e a atuar, principalmente, no debate sobre financiamento climático
Elvis Marques
Jovens na Greve Global do Clima, em São Paulo, em 2019. Eles foram às ruas cobrar que o governo garanta um futuro saudável e seguro a eles. © Bárbara Veiga / Greenpeace
O Brasil chegará à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022, a COP27, em Sharm El-Sheikh, no Egito, após a realização do segundo turno das eleições para os governos estaduais e federal. E, independentemente de quem assuma a presidência da República no próximo ano, desafios não faltam no campo climático e ambiental. O evento ocorrerá entre os dias 6 e 18 de novembro de 2022.
Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, diz que a performance do atual governo brasileiro nestes encontros “tem sido muito ruim”. A pesquisadora analisa que enquanto a agenda ambiental e climática tem assumido centralidade mundial, o Brasil se isola a cada dia em relação à pauta.
“Por mais promessas que o governo federal tenha feito ao longo desses quase quatro anos, o que se percebe são taxas recordes seguidas. E o governo até tentou esconder os dados na COP passada, mas eles vieram à tona e ficou uma situação constrangedora, já que o governo tinha essas informações em mãos antes do evento começar”, relembra Stela.
Os dados que o governo Bolsonaro (PL) não queria divulgar em meio à realização do evento mostraram que a Amazônia brasileira perdeu mais de 13 mil quilômetros quadrados de árvores em um ano. O número indica que o desmatamento ilegal entre agosto de 2020 e julho de 2021 aumentou 22% em relação ao período anterior, o maior registrado nos últimos 15 anos.
A cifra compõe o balanço anual elaborado com medições de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Em pauta
A especialista do Observatório do Clima aposta em dois temas principais a serem debatidos ao longo dos dias na COP, o Programa de Trabalho em Mitigação (MWP, na sigla em inglês) e “perdas e danos”, isso tudo tendo como plano de fundo o financiamento climático. Todas temáticas espinhosas, principalmente entre os países mais ricos e os menos desenvolvidos.
“O Programa de Trabalho em Mitigação, oriundo da COP26, precisa de uma decisão esse ano, como um plano de resgate. No ano passado, o grande mote era manter a meta de limitar o aumento da temperatura a 1,5 viva, num momento em que os países tinham que rever os seus compromissos climáticos”, expõe Stela.
Foi neste contexto, explica Stela, em que foi criado o programa, ainda em debate pelos países, mas que é voltado a aumentar a ambição dos compromissos e a implementação das metas climáticas.
Já a discussão sobre “perdas e danos” é focada na reparação financeira por prejuízos já sofridos pelas nações em decorrência das mudanças do clima, como as migrações forçadas ou perdas de terras favoráveis para o cultivo de alimentos. Stela prevê que as nações em desenvolvimento devem pressionar bastante por um avanço nessa pauta, com um mecanismo específico de financiamento das “perdas e dos danos”.
“Essa pauta não está oficialmente na agenda da COP27, mas foi um tema muito importante na última edição da conferência, e numa reunião preparatória no meio deste ano, muito a partir dos impactos desastrosos das mudanças climáticas que estamos vendo, como um terço do Paquistão que ficou submerso. É o tipo de demanda que não dá mais para os países desenvolvidos empurrarem para debaixo do tapete, vão ter que enfrentar essa questão”, destaca a integrante do Observatório.
A chegada do Brasil à COP
Chefe da delegação brasileira do Engajamundo nesta próxima Conferência, Isvilaine da Silva Conceição, coordenadora do GT de Mudanças Climáticas da organização, relembra que o Brasil, nestes espaços internacionais de debate, sempre teve um papel de destaque por ser uma nação que se movimentava a favor da conservação da natureza e no enfrentamento às crises climáticas. “Mas desde 2018 percebemos um retrocesso nas políticas ambientais, inclusive no Congresso Nacional”, afirma.
“Temos um governo totalmente desfavorável em todas as questões ambientais, e principalmente na área do Ministério do Meio Ambiente, que foi completamente sucateado. Desmontaram o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], e como é que fiscaliza áreas ambientais sem ter esses órgãos competentes e atuantes nesses espaços?”, questiona Isvilaine.
Em sintonia com a coordenadora, Stela argumenta que o Brasil chega a mais esse evento com descrédito internacional, pois não passa segurança e nem credibilidade aos demais países nessa agenda.
“Além do nosso país ter piorado a meta climática diante do mundo, ele não tem implementado os compromissos climáticos. O que a gente tem visto na verdade é que o Brasil foi um dos únicos países do mundo durante a pandemia, quando a economia encolheu e as emissões reduziram, que aumentou as suas emissões em 9,5%. Na verdade, as emissões do Brasil continuam em alta, enquanto o mundo inteiro está descarbonizando a sua economia, e que tem produzido mais riquezas com menos emissões. O Brasil produz hoje menos riquezas com mais emissão.”
E a razão do Brasil continuar com alta de poluição durante a pandemia está ligada diretamente ao aceleramento do desmatamento ilegal. “A derrubada da floresta é o principal fator de emissão de CO2 [gás carbônico] do país, diferentemente, por exemplo, de países desenvolvidos que têm o principal fator de emissão no setor de energia e de transporte. E em nosso caso é o desmatamento, responsável por 46% das emissões no ano passado”, atesta a colaboradora do Observatório do Clima.
Stela ainda destaca que pode-se dizer atualmente que o “Brasil é o único país do mundo que tem um compromisso climático apresentado no sistema da ONU [Organização das Nações Unidas] pior hoje do que a promessa feita há sete anos, e olha que o contexto das mudanças climáticas só piorou. Estamos numa emergência climática hoje, com estudos mais alarmantes que exigiriam do Brasil mais comprometimento com a causa climática e a gente tem cada vez menos.”
Para começar a mudar esse cenário de descrédito, Isvilaine acredita que o Brasil deveria retomar o protagonismo na COP e em demais espaços internacionais sobre o meio ambiente ao levar as pautas e compromissos ambientais a sério e a atuar, principalmente, no debate sobre financiamento climático.
Matriz energética
Em entrevista à CNN Brasil, Joaquim Leite, ministro do Meio Ambiente, destacou que o estande do governo brasileiro está previsto para ser o maior já montado na Conferência, cuja aposta é que o evento ficará marcado pela discussão em torno das energias verdes. “Tema em que o Brasil é exemplo para o mundo”, diz.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o foco principal da participação brasileira será mostrar ao mundo “o Brasil como celeiro de energia limpa e garantia energética”.
Quer saber mais sobre esse assunto? Confira nossa curadoria:
Após eventos climáticos, a avaliação é que acordos precisam sair do papel
Publicado em
11/07/2022
Pesquisadora do ClimaInfo reflete sobre racismo ambiental e sexismo
Publicado em
08/04/2022
Frei Rodrigo Peret analisa cenário depois de 30 anos desde a realização da Eco-92 no Rio de Janeiro
Publicado em
24/08/2022