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Editorial

Publicado em

26/03/2024

Democracia e o pão nosso de cada dia

Editorial da 8ª edição da Revista Casa Comum.

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O título que escolhemos para este editorial apresenta a perspectiva que queremos trazer nesta edição da Revista Casa Comum. Não podemos falar em democracia sem atrelá-la ao acesso aos direitos básicos. Afinal, democracia não deveria ser meramente um conceito instrumentalizado por especialistas e, sim, uma prática que rege a vida em sociedade, sem distinção e privilégios de alguns.

A reflexão se torna ainda mais oportuna tendo em vista que estamos em pleno ano de eleições municipais – estas que atraem muito mais atenção e interesse da socieda- de diante da proximidade e das urgências eminentes no cotidiano das pessoas em seus municípios – e, portanto, passamos a debater sobre o real impacto da democracia no nosso dia a dia e seus dilemas sociais e econômicos.

Mas, afinal, o que é democracia? Como podemos anali- sá-la neste contexto de país e de mundo? Segundo o art. 5o da Constituição Federal brasileira, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantin- do-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”

Porém, apesar de vivermos num sistema democrático e de os direitos estarem garantidos em lei, a sua efetivação parece estar longe da realidade cotidiana dos brasileiros, que ainda hoje, em sua maioria, vivem um cenário de de- sigualdade social estrutural. Milhares continuam sofrendo com a fome e a violência, principalmente as pessoas negras e residentes em comunidades periféricas.

Diante disso nos perguntamos: será possível existir de fato a democracia enquanto não há direitos humanos e ambientais assegurados para todos? Acreditamos que não. Por isso, temos que ter coragem e vontade de lidar com essas contradições e promovermos uma mobiliza- ção efetiva e real para a democracia.

Sabemos que, como cidadãs e cidadãos, temos à nossa disposição, como parte desse sistema democrático, o voto, instrumento constitucional para delegarmos a função pública de gerenciar e promover diretamente assuntos de interesse público para todas as pessoas. O voto tem implicação direta na vida da população. No entanto, a cada eleição, vemos a ampliação do descompromisso de candidatos com uma agenda que seja transformadora e invista em ações concretas para a superação de violações históricas e estruturais.

É evidente que as eleições municipais superam, em parte, a conhecida e enérgica disputa nacionalizada de persona- lidades e partidos, que hoje se utilizam de mobilizações na rua como narrativa de apoio e força política. Basta ver a Avenida Paulista, em São Paulo, como palco de mani- festações, atos e comícios fora de época. As ruas sempre tiveram um papel importante como narrativa política e po- pular, isso pode e deve ser valorizado, mas não podemos colocá-la acima do poder constitucional das urnas.

Alguns analistas apontam que o jogo político nacional não rege o jogo político municipal, mas não podemos generalizar essa afirmação. Em especial porque há uma onda ultraconservadora, que se entrelaça com o fascis- mo, utilizando-se de camisetas verde-amarelas, como há também um levante de resistência diante de um projeto de centro-esquerda, que se conecta à normalidade do capital, assim como de retomada de programas sociais com cores ligadas aos movimentos, sindicatos e partidos alinhados com os objetivos de uma social-democracia.

Por isso, não é possível participar do processo eleitoral municipal sem colocar na mesa essas variáveis de um cenário complexo de disputa ideológica e projeto de mundo e de sociedade que tem se alastrado e constituído nos últimos anos.

Assim, a Revista Casa Comum assume o compromisso de trazer o contexto histórico e, também, pistas práticas de mobilização para o processo eleitoral de forma crítica, comprometida e mobilizadora na família, na vizinhança, na comunidade, na escola, na empresa, na igreja, nas praças e em qualquer espaço do dia a dia.

Essa edição foi construída junto com lideranças, articula- ções e movimentos sociais que têm compromisso com a história e com a perspectiva da democracia, como um processo a ser construído de modo permanente sob a ótica da justiça, igualdade e equidade.

A Revista se coloca como ferramenta de sensibilização e de motivação para a mobilização de pessoas, grupos e pautas que rompam com a tendência de uma política instrumentalizada para benefício de pessoas e grupos que não assumem o dever de cuidar e defender a vida e suas múltiplas e diversas expressões e naturezas.

Somos inspirados pela convocação do grande líder mundial Papa Francisco: “O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor. O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade, que toca não só as relações entre os indivíduos, mas também as macrorrelações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos.”

É preciso ocuparmo-nos da política como exercício de uma sociedade fraterna, que cuida e defende todos os seres, inclusive os não humanos. Para isso, temos a possibilidade, como sujeitos e coletivos, de encantar a po- lítica, com novas ações de mobilização e com indicações de representações que sejam mais sensíveis às dores da terra e dos mais pobres. Aqui, “pobres” são todos os excluídos, oprimidos e violentados pelo sistema político, social, cultural e econômico que vivemos.

O nosso agradecimento ao Projeto Encantar a Política, parceiro da Revista, e que, nesta edição, assumiu o compromisso de imaginar e construir o conteúdo aqui organizado de forma colegiada. Trazemos na capa desta edição e na editoria Retrato Brasil imagens em memória celebrativa aos 10 anos do Movimento dos Garis, na cidade do Rio de Janeiro, que mostrou que a democracia se constrói nas urnas, mas também na ocupação da mobilização popular.

Esperamos que esta edição chegue em tempo aonde tem que chegar, sob a utopia legal da constitucional: “Todo poder emana do povo”.

Fábio Paes
Coordenador da Revista Casa Comum

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