Publicado em
28/03/2024
Conheça iniciativas de formação política e cívica que estimulam a participação cidadã de forma consciente e engajada.
Por Maria Victória Oliveira
Mais de 2 milhões de jovens entre 16 e 18 anos tiraram seus títulos de eleitor em 2022, uma marca histórica. Apesar da boa notícia, a combinação entre mais pessoas votando e um sentimento de falta de representação e de desconfiança de políticos cria um cenário no qual se faz, mais do que nunca, urgente e necessário o investimento em educação política e para a democracia. A ideia é que todos e todas – inclusive os(as) jovens eleitores(as) que estão nos seus primeiros contatos com a política – possam exercer seus direitos com plenitude e consciência.
Mas o que seria, afinal, uma educação voltada aos princípios democráticos?
Para Wil Schmaltz, presidente da Escola Comum, iniciativa de formação em democracia para jovens, não é possível pensar uma educação para democracia sem considerar desafios históricos do Brasil, como a ditadura militar, o genocídio durante a colonização e o processo de escravidão. “A educação para a cultura democrática problematiza questões raciais, desigualdades de gênero, os espaços de poder e como a distribuição desse poder é feita na sociedade.”
Ele defende que a promoção de uma compreensão sobre história, política e democracia e seus contextos está diretamente relacionada com a participação cidadã.
“Um trabalho de educação para democracia é um compromisso do mundo em reafirmar determinados valores e pensar criticamente como as coisas estão sendo feitas no momento. Então a única forma que a gente tem de recuperar esse prestígio é incluindo mais pessoas nesse debate.”
Conheça a seguir ações, movimentos e iniciativas que trabalham junto à população em prol de uma educação política
Escola Comum
A Escola Comum é uma iniciativa de formação em democracia para jovens entre 16 e 19 anos das periferias e interiores do Brasil. Desde 2016, quando foi criada, a escola já formou mais de 400 jovens no curso gratuito, que aprofunda conceitos como direitos e democracia, economia e sustentabilidade, laboratórios de políticas públicas e desafios contemporâneos.
A faixa etária dos participantes não foi um acaso. Wil explica que o intervalo entre 16 e 19 anos, de jovens pré-universitários, representa uma fase em que meninos e meninas têm uma postura de maior abertura para o diálogo. Além disso, participar da formação da Escola Comum antes mesmo de ingressar no ensino superior possibilita maior proveito dos ensinamentos que a universidade tem a oferecer.
“Ao longo do curso, as turmas têm alguns desafios de incidência em suas comunidades. As soluções são geralmente desenvolvidas pelos próprios estudantes.
À medida que a formação vai evoluindo e os alunos e alunas forem refinando suas perspectivas sobre os desafios discutidos em sala de aula, eles vão pensar em ações para trabalhar em grupo e incidir em suas comunidades, o que vai ganhando maior concretude com o passar das aulas”, explica.
Em 2024, a Escola Comum teve a aula inaugural da nova turma em março. Além disso, a equipe está em processo de criação de uma rede alumni, com o objetivo de manter os ex-alunos e ex-alunas engajados(as) nos propósitos que a Escola busca. “Vamos, ainda, lançar cursos livres para oferecer para a sociedade civil de forma geral, sem limite de idade. É uma estratégia para termos outra fonte de financiamento do projeto”, conta Wil.
Para o futuro, a Escola Comum estuda adaptar o curso para a formação política de jovens de classe alta, herdeiros de empresas e negócios familiares.
>> Conheça a Escola Comum: escolacomum.org
Encantar a Política
A iniciativa foi criada em 2020 em meio a um cenário de emergência diante da pandemia de Covid-19, agonia, retrocessos e um “povo triste e abatido”, como conta Sônia Gomes Oliveira, presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), uma das organizações que integra o Encantar a Política.
“Nas Escolas de Fé e Política e em nossos debates, víamos o pessoal falando que a política não tinha mais jeito. Jesus Cristo está na centralidade de nossos trabalhos a partir dos conceitos de vida, fraternidade e justiça social. No começo, falávamos muito sobre a necessidade de ‘reencantar a política’ a partir do resgate da democracia, já que as pessoas estavam desanimadas com a política. Como 2020 era um ano eleitoral, tínhamos essa ideia de apresentar alguma proposta concreta. Em determinada reunião, percebemos que o que realmente precisamos é encantar as pessoas, e aí surge toda essa proposta de encantamento com a política.”
Depois da elaboração de uma cartilha inicial usada em processos formativos com multiplicadores, Sônia conta que foi possível ver o “reacender de uma chama” com uma nova perspectiva para a política, a partir de uma linguagem simples e não impositiva que vinha sendo trabalhada.
Representantes de diversas organizações da igreja católica uniram-se, então, para transformar a cartilha inicial e criar o Caderno Encantar a Política, uma publicação organizada em cinco capítulos que discute conceitos como ética da política, amor cristão, o cuidado para com a Casa Comum e um capítulo inteiro dedicado ao debate sobre eleições e democracia, a partir dos ensinamentos do Papa Francisco.
Sônia (à esquerda) em atividades do Encantar a Política juntamente com membros da presidência do Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB) e membros da vice-presidência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Foto: Felipe Gomes
Para 2024, o Encantar a Política já está se mobilizando junto a diversos parceiros, entre eles a Revista Casa Comum, para desenvolver ações; entre elas está um curso de planejamento de campanha eleitoral em colaboração com a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMG), a realização do Encontro Nacional de Fé e Política em abril, o desenvolvimento de um curso de multiplicadores na perspectiva do Encantar a Política de formar pessoas que multipliquem seus conceitos e, ainda, um trabalho de comunicação, com o lançamento de um site, cartilhas e textos, além da articulação com as Escolas de Fé e Política.
>> Acesse a publicação na íntegra: bit.ly/RCC_08_03
“A linguagem utilizada pelo Papa Francisco na Carta Encíclica Fratelli Tutti fala de justiça social, de amor, de vida, desse modelo de democracia e do cuidado com o outro e com a Casa Comum, sem agressão, mas em um processo de diálogo. E eu gosto muito de uma frase dele que é: “Não precisamos ser muros, podemos ser pontes.” É a ideia de não precisar usar a fé ou a miséria do outro para falar sobre política”, explica Sônia.
Formação política local
“Nosso corpo é político, mas eu não me via participando ativamente de construções.” A frase é de Mateus Fernandes, ativista climático e fundador da Corre, consultoria voltada para a evolução e suporte de projetos socioculturais e ambientais nas periferias. Com 23 anos e sendo o primeiro da família a ingressar no ensino superior, o jovem não cruzou os braços diante do sentimento de falta de representação na política.
Entre diversas ocupações e atuações, como a de secretário municipal de juventudes de Guarulhos, cidade da região metropolitana de São Paulo, Mateus decidiu usar sua experiência para criar um grupo de formação política de jovens ao longo de 2024.
Em contato com professores, educadores populares, coletivos, movimentos sociais e associações de moradores, ele é convidado ou se voluntaria para ir até escolas de diferentes bairros e regiões de sua cidade, a fim de entender a demanda de formação do local. O jovem conta que o projeto preza pela segurança digital e política. Assim, durante a visita ao território, Mateus relaciona os contatos dos interessados em participar da formação e cria um grupo de WhatsApp de cada localidade, a fim de discutir possíveis temas, tirar dúvidas e marcar a data da formação, divulgada somente no grupo, para evitar intervenções externas no encontro. Outro cuidado é configurar o grupo para ter apenas mensagens temporárias, ou seja, tudo é apagado depois de 24 horas do envio. Cada grupo será mantido até a época das eleições como um espaço de debates.
Mateus Fernandes. Foto: Ingrid Barros
Cada encontro é pensado de acordo com as necessidades específicas da região. O leque de formação é amplo: desde como tirar um título de eleitor, até como avaliar campanhas políticas nos sites de candidatos ou, até mesmo, como fazer denúncia de compra de votos.
“Minha motivação é incentivar que os jovens votem de forma mais consciente. Conheço pessoas próximas, familiares e amigos, que vendiam seu voto e isso é uma realidade que temos que mudar, ainda mais quando falamos sobre raça. Precisamos votar e conscientizar sobre os nossos direitos, pensando que a população jovem é a geração que tem essa esperança de revolucionar, de mudar.”
Sem qualquer caráter partidário, as formações devem começar no segundo semestre deste ano, com exceção de alguns encontros já previstos para o primeiro semestre, e se estender até outubro, na época das eleições. Para Mateus, trata-se de um esforço de valorizar também o olhar para o território, não somente para eleições em nível federal.
Escola Nacional Paulo Freire
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” A frase é do patrono da educação brasileira, Paulo Freire, que dá nome à Escola Nacional Paulo Freire.
Os cursos livres e gratuitos são pensados não apenas para jovens de 17 a 25 anos, mas contam com sua participação na elaboração das propostas. Apesar de destinadas especialmente para as juventudes, as formações também recebem pessoas de outras idades que fazem parte do entorno da instituição.
“A missão da Escola é ser um espaço nacional de educação popular voltado prioritariamente para o meio urbano, com forte protagonismo da juventude, mas aberto a toda classe trabalhadora. É um espaço laboratorial de práticas de educação popular que busca fomentar e fortalecer a organização popular”, explica Thays Carvalho, da direção da Escola Nacional Paulo Freire.
Criada em 2019, a iniciativa oferece formação política, cultural e técnica, e os cursos se relacionam e dialogam com os ensinamentos de Paulo Freire. “Educação e cultura têm uma relação umbilical na perspectiva freiriana. Então todos os cursos partem dessa concepção pedagógica.
As formações buscam construir uma combinação entre teoria e prática, sendo que o ponto de partida é sempre a prática.
Os tempos educativos buscam construir um processo dialógico, no qual educador e educando são sujeitos do processo educativo, tentando romper com essa perspectiva bancária de que só educador é o detentor do conhecimento”, defende Thays, reforçando que a Escola valoriza o conhecimento prévio dos participantes, que é usado como ponto de partida para a reflexão sobre os conteúdos.
Atualmente, a instituição funciona no bairro do Ipiranga, em São Paulo, e oferece cursos diversos, que vão desde formação de militantes de organizações populares, como curso de agentes populares, curso Realidade Brasileira, até propostas mais voltadas à capacitação técnica, como a escola popular de comunicação. Além disso, a instituição conta também com atividades culturais, como a Escola Popular de Teatro e o Projeto Escola Viva, com oficinas e apresentações artísticas e culturais.
>> Conheça a Escola: www.instagram.com/escola.paulofreire/
Em ano eleitoral, é preciso, mais do que nunca, um reencantamento com a política, a fim de construir coletivamente um país democrático, justo e inclusivo, que seja de fato para todos e todas.
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