Publicado em
18/10/2023
Em 132 anos, a Suprema Corte contou com apenas três ministras - nenhuma negra - diante de 169 ministros. Homens negros foram apenas três. Conheça a campanha #MinistraNegra.
Por Elvis Marques
Mural artístico produzido pelo artista @airaocrespo com realização do IDPN para a campanha por uma ministra negra no STF.
O Brasil possui, atualmente, cerca de 203 milhões de habitantes. Destes, 51,1% são mulheres. A população nacional que se declara preta ou parda soma 55,9%. Mulheres negras são 25,4%. Apesar de o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentar um crescimento da população negra, essa diversidade não está presente em espaços como o Executivo, Legislativo e Judiciário, neste caso, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 132 anos, a Suprema Corte brasileira contou apenas com três ministras mulheres em sua composição: Ellen Gracie (aposentada), Rosa Weber (aposentada recentemente, em setembro de 2023) e Cármen Lúcia (única ministra no STF). Além do número pífio feminino, a instância máxima do Judiciário nunca contou, entre os seus ministros, com uma mulher negra.
“A história republicana deste STF conta com apenas três ministras, entre 169 ministros […]. O direito das mulheres à igualdade de tratamento e acesso a espaços decisórios como forma de luta contra discriminação de gênero não é projeto realizado, mas projeto em construção”. (Rosa Weber, ex-presidente da suprema corte, durante evento realizado pelo STF no Dia Internacional da Mulher, em 2023.)
Mobilização #MinistraNegra
Diante desses e de múltiplos outros dados que dão dimensão da falta de representatividade e diversidade da real população brasileira em espaços de decisão e poder, diversos movimentos negros lançaram a campanha Ministra Negra no STF, cujo o intuito é pressionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a indicar “uma ministra negra e progressista”, como a própria campanha cita, para a vaga deixada por Rosa Weber.
Composta por organizações como a Coalizão Negra por Direitos e Instituto Marielle Franco, a campanha considera que a indicação de uma mulher negra para a corte “é essencial para avançar na transformação do sistema de justiça brasileiro, não só pela importância de ver o povo representado nas esferas de poder, mas por todas as mudanças estruturais na forma como a justiça é aplicada.” E ainda reforça que “não há melhor momento para esse avanço do que em um governo progressista. Mas essa batalha ainda não está ganha.”
“Às mulheres e aos negros, é negado esse lugar de produção de conhecimento e de outras práticas de existência, porque, para nós, normalmente são destinados esses espaços de subserviência. Não é por falta de competência ou da existência de grandes figuras importantes. Mas sim pelo fato de parte da sociedade interpretar que o conhecimento que as pessoas negras produzem não é algo juridicamente requintado, notório e forte, justamente devido ao racismo”, explica Maysa Carvalhal Novais, advogada no Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), que também integra a campanha.
“Temos de questionar a justificativa que endossa um país como o Brasil, extremamente diverso, para que tenhamos uma homogeneidade nos espaços de poder e decisão”. (Maysa Carvalhal, advogada no IDPN.)
No dia 25 de setembro, ao ser questionado pela imprensa sobre a escolha para a corte, o presidente Lula afirmou que gênero e cor não são critérios. “Eu vou escolher uma pessoa que possa atender os interesses e as expectativas do Brasil, uma pessoa que possa servir o Brasil, uma pessoa que tenha respeito com a sociedade brasileira. Já tem várias pessoas na mira. Não precisa perguntar essa questão de gênero e de cor, eu já passei por tudo isso e no momento certo vocês vão saber quem é que eu vou indicar”, argumentou.
Desigualdade entre os pares
A partir de uma pesquisa elaborada pela BBC Brasil, constatou-se que, se outra mulher não for indicada para a cadeira de Rosa Weber, o Brasil terá o segundo Supremo Tribunal Federal mais desigual de toda a América Latina e Caribe, atrás apenas da Argentina, cujo tribunal é formado por quatro homens. Jamaica, Bahamas e Panamá têm cortes formadas por mais de 60% de mulheres. Entre os vizinhos mais próximos do Brasil, se destaca o Uruguai, com 60% de ministras.
Movimento identitário?
Desde que as ações do movimento negro e da sociedade civil pela indicação de uma ministra negra para o STF começaram, integrantes do Governo Federal têm classificado como “pressões identitárias”. Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, fez uma postagem em suas redes sociais, no dia 26 de setembro, parabenizando o presidente Lula por “rejeitar pressões corporativas e identitárias” para a nomeação. A tese, no entanto, é questionada por Maysa Carvalhal: “Um primeiro ponto é que é complicado tratar como movimento identitário quando são questões estruturais. Gênero, raça e classe não são movimentos de identidade. São questões que estruturam e aparelham as relações sociais no Brasil. Não tem como pensar em economia, política e direito sem passar por essas questões. Analisar que são movimentos identitários é uma análise superficial, rasteira e que não contempla uma interpretação complexa do Brasil tal qual ele é.”
“Durante muito tempo, o poder público não se importou em ter representatividade e diversidade na sua composição, porque é muito conveniente que as classes dominantes estejam aparelhando todos os espaços de poder e decisão do Brasil”. (Maysa Carvalhal Novais, advogada no IDPN)
Quem indicar?
Integrante da Campanha Ministra Negra no STF, o IDPN endossa três nomes para a corte:
>Adriana Alves dos Santos Cruz, juíza da 5ª Vara Criminal do Rio de Janeiro (conheça);
>Lívia Sant’Anna Vaz*, promotora de Justiça na Bahia (conheça);
>Vera Lúcia Araújo, advogada e integrante da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) (conheça).
*Lívia Sant’Anna Vaz produziu o artigo Mulheres Negras no sistema de justiça: é preciso dizer o que se cala, publicado na 5ª edição da Revista Casa Comum. Confira aqui.
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