Publicado em
11/08/2023
Caso de adolescente morto na Cidade de Deus (RJ) traz reflexões sobre genocídio da juventude negra, próximo ao 12 de agosto, Dia dos Direitos Humanos no Brasil.
Por Elvis Marques
Homenagem a Thiago Menezes Flausino, morto após ser baleado na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio de Janeiro, na madrugada do dia 7 de agosto. Foto: Selma Souza
O artigo 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” Mas a fotografia captada por Selma Souza para a organização Voz das Comunidades mostra o contrário: o retrato ilustra sofrimento e luto nos rostos de crianças. A dor de viver em um lugar onde esses direitos parecem não ter chegado.
“Essas crianças não deveriam estar sentindo tanta dor com a perda de seu amigo. Até quando faremos esse tipo de cobertura?”, questiona a fotógrafa em seu perfil no Instagram.
O registro, que tem circulado Brasil afora, aconteceu durante o enterro do adolescente negro Thiago Menezes Flausino, de 13 anos, morto após ser baleado na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio de Janeiro, na madrugada do dia 7 de agosto.
Desde então, a Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro tem apresentado várias versões para o crime, como: o adolescente teria sido ferido ao entrar em confronto com policiais do Batalhão de Choque da PM; depois, Thiago estaria em uma motocicleta com outro homem e em alta velocidade e não teria parado assim que a polícia pediu, que eles teriam caído do veículo e entrado em confronto na sequência; e, por fim, que o menino estaria na garupa da motocicleta e que havia trocado tiros com a PM.
A família de Thiago Menezes contesta todas as histórias apresentadas até o momento pela polícia, e tem sido enfática ao afirmar, a diversos veículos de comunicação, que o adolescente “foi executado pelos policiais e que a cena do crime foi forjada.”
Priscila Menezes, mãe de Thiago, disse, em entrevista ao portal de notícias G1, que a sua família está muito abalada com as acusações de uma criança de 13 anos de ser envolvida com tráfico. “Ele era apenas um adolescente, que foi ceifado por essa necropolícia que a gente tem no nosso estado. Mais uma vítima que entra para a estatística.”
Dados que não param de crescer
A fala da mãe de Thiago reflete um sentimento social de vulnerabilidade e de falta de Justiça quando o assunto são as mortes durante operações policiais.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, divulgado em julho deste ano, as polícias do Brasil foram responsáveis, em 2022, pela morte de 6.430 pessoas durante o serviço ou durante o período de folga, o que representa 17 mortes por dia. As informações partem das estatísticas oficiais registradas pelas secretarias de segurança pública dos 26 estados e do Distrito Federal.
Os estados da Bahia e do Rio de Janeiro concentram, juntos, 43% dos assassinatos.
As mortes de civis, contudo, se mantêm num nível estável, de acordo com Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro da Segurança Pública, responsável pela publicação do Anuário. Essa estabilidade foi puxada pelo estado de São Paulo, além de outros fatores. Segundo o relatório, entre os anos de 2020 e 2022, os policiais paulistas reduziram as mortes pela metade: de 814 mortes em 2020 para 419 em 2022. Um dos principais fatores apresentados pela especialista é o uso das câmeras na parte frontal das fardas dos agentes públicos.
Já os casos de policiais mortos no país aumentaram 15%: de 151 mortes no ano de 2021 para 173 em 2022. Mais policiais perderam a vida em serviço ou em folga em São Paulo (33), conforme número absoluto. O dado apresenta aumento de 32% em relação aos 25 mortos no ano anterior.
Estado brasileiro
Diante de um direito universal tão importante violado – o direito à vida – cabe aos governos, órgãos de justiça e agentes públicos colocarem em prática um outro direito, este descrito no Artigo 8 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”
Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), manifestou, em suas redes sociais, que é “inadmissível uma criança de 13 anos ser assassinada pela polícia com um tiro nas costas. Quem dá um tiro nas costas de uma criança ou de um adolescente não pode ser chamado de policial. É dever do governo brasileiro dar uma resposta a esta violência resultante de uma política de segurança pública falida e de extermínio, e que faz com que mães, inclusive a de policiais, tenham que enterrar seus filhos e se arrastar numa vida de dor e sofrimento.”
Em nota, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) afirmou que se reuniu a pedido do ministro Silvio Almeida a fim de buscar estratégias para enfrentar a violência contra crianças e adolescentes. Além da solidariedade às vítimas, a pasta propõe a criação de um “Programa Nacional para o Combate à Letalidade Policial”, com propostas como a implementação de câmeras corporais nas polícias, instauração de comissões de mitigação de riscos e instituição de um sistema nacional de registro, acompanhamento e avaliação dos órgãos com poder de disciplinar a sociedade.
Contexto da data e a Marcha das Margaridas
No ano de 2012, durante o governo da presidenta Dilma Rousseff, foi promulgada a Lei nº 12.641, que estabeleceu o 12 de agosto como o Dia Nacional dos Direitos Humanos. A data faz referência ao dia em que Margarida Maria Alves foi assassinada em 1983, durante a ditadura militar.
Margarida Alves nasceu em 1933 no município de Alagoa Grande (PB), e foi a primeira mulher a presidir o Sindicato dos Trabalhadores Rurais da região, em 1972. Durante os seus 12 anos de gestão, a sindicalista moveu mais de 70 ações contra usinas de cana de açúcar da região para defender os direitos dos trabalhadores. A liderança contribuiu, ainda, na fundação do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural para a formação política e combate ao analfabetismo.
Para celebrar a data, a vida e a luta de Margarida Alves, todos anos é realizada a Marcha das Margaridas em Brasília (DF), que, neste ano, acontece nos dias 15 e 16 de agosto, com o tema “Pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver”.
Artigo de Mayara Nunes, jornalista do Instituto de Referência Negra Peregum e militante da Uneafro Brasil
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