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Publicado em

04/10/2023

Francisco de Assis: símbolo do que precisamos ser

O 4 de outubro marca o dia de São Francisco de Assis. Por que os ensinamentos do frade católico continuam tão atuais?

Por Fabio Paes

Foto: Vatican Media

Francisco nasceu na idade média, período da história em que o centro de tudo era o mundo feudal com seus muros, regras e classes bem definidas. A religião era um espetáculo metafísico. Deus era traduzido em livros e tratados meditativos de mosteiros apartados de todos. Mas Francisco era diferente. Foi pra guerra e descobriu de modo impactante a distopia dos homens, que lutam e se matam por um motivo que eles nem sabem qual é. Descobriu, neste momento, a dor, doença e a morte, vendo e sentindo na pele os calabouços terríveis da guerra, uma crise forçada pelos acontecimentos em que se meteu o jovem ambicioso, que perdeu tudo e não conquistou nada do que esperava. 

Doente, frágil, sem sonho e sem um projeto pretensioso de conquista, iniciou um processo de esvaziamento de suas crenças, delírios de riquezas e de si mesmo que durou até o fim de sua vida, pautado em observar detalhadamente e enxergar, de fato, a vida diante de seus olhos. Aqui, faço um paralelo com Fernando Pessoa, que traduziu a experiência do poeta: “Fazer poesia é uma forma de ficar solitário e descobrir a eterna novidade do mundo a cada dia“.

Francisco foi tão profundo em sua ação pessoal que superou o ego e suas pretensões. Não se importava com o que a sociedade, a igreja ou sua família desejavam que ele fosse. Francisco foi Francisco. Nem estudiosos captaram a aventura deste ser e seus códigos tão atuais e enigmáticos para muitos de nossos dilemas existenciais e societários. Francisco não era um “eu”, era “outros”. Mergulhou não para dentro de si, mas para a grande “novidade do mundo”. Francisco adentrou de corpo e alma nas vidas e em cada imagem que se deflagrava em seus olhos. Gostava do nascer e do pôr do sol. Escutava os pássaros. Acariciava as plantas e respeitava com solenidade até os vermes mais esquisitos. Porque tudo era vida, tudo era mistério, tudo era sagrado. 

Francisco foi tão profundo em sua ação pessoal que superou o ego e suas pretensões. Não se importava com o que a sociedade, a igreja ou sua família desejavam que ele fosse.
Francisco foi Francisco.

Nesta disposição atenta e livre diante das coisas, viu os seres humanos na sua máxima beleza e reverência. Por isso se intrigou com os que moravam fora dos muros feudais de sua cidade, Assis. Viu, aproximou com cuidado e depois abraçou e beijou os leprosos como irmãos. Nada poderia ser excluído na grande festa da vida. Nesse contexto, a divindade pode ser traduzida como uma dádiva que só olhos e corações muitos conectados e altruístas conseguem conhecer e experienciar.

Mas por que tanto fascínio por Francisco, ainda mais em nossos dias? 

Francisco é o ser humano dos acontecimentos, e não das palavras. Não fazia discursos e sermões; escrevia poemas. Despiu-se e abandonou as riquezas materiais para viver em outro sistema de relações e cuidado. Detestava multidões, preferia o silêncio das montanhas. Não conhecia os palácios e os deveres institucionais da sociedade; vivia nas periferias e inventava atos e rituais de confraternização. Não gostava de regras, mas de princípios e valores. Dedicava-se mais a degustar as coisas do que se afastar e demonizar. Francisco não era religião, era fraternidade. Francisco chama o mundo de convento e a lua de irmã. Não fazia projetos sociais; vivia na precariedade de diversos mundos não para curá-lo, mas porque eram irmãos. Eis a intrigante Teologia Contemplativa e Prática de Francisco.

Talvez, nesse processo, Francisco tenha adentrado em uma relação da sua mente e corpo com tudo o que existe que se aproxima muito das experiência dos povos indígenas. Somos parte de uma mesma Casa, junto com todos os seres. No centro não está o ser humano, mas a vida, grávida de diversidade, de mistérios, contornos, cheiros, sentimentos e aparências tantas. Nesta ótica, tudo é sagrado, até o ato de tentar enxergar as aparências enigmáticas de todos os seres. Na contramão do ter, consumir, produzir e acumular, Francisco apenas vivia a partir da dádiva de cada dia, com a proposta de mendicância como método.

É, Francisco, quanta coisa você nos ensina com um simples ato, que, de tão profundo, parece tão distante. Foi na contramão do ego, abriu-se como uma criança para a grande e permanente novidade do mundo e, por fim, calou-se diante de tratados e procurou uma relação íntima e generosa com o outro.

Hoje vivemos patamares de desajustes gigantescos do ser humano com tudo que não é gente. Emergências climáticas, desigualdades sociais e econômicas trágicas e criminosas são cenas cotidianas que só aumentam no mundo inteiro.

Foi na contramão do ego, abriu-se como uma criança para a grande e permanente novidade do mundo e, por fim, calou-se diante de tratados e procurou uma relação
íntima e generosa com o outro.

Neste sentido, Francisco mostra-se não como um tratado, projeto, filosofia ou divagação intelectual ou religiosa. Francisco é um estilo de vida, num vivenciar em outro sistema, nem que, para isso, tenha que viver sem nada de próprio. 

Francisco não é uma instituição. É um caminho que chega nos mesmos lugares daqueles que ousaram revolucionar-se, assim como Jesus e tantos outros.

A Laudate Deum

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Uma publicação compartilhada por Vatican News em português (@vaticannewspt)

“A todas as pessoas de boa vontade sobre a crise climática” é a chamada da nova exortação apostólica, a Laudate Deum – Louvai a Deus – lançada hoje, 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, pelo Papa Francisco. 

A carta da mais alta liderança da igreja católica é uma continuação da encíclica Laudato Sí, publicada em 2015, e tem como principal objetivo fazer um chamamento e apelo público para que todas as pessoas se corresponsabilizem diante da emergência ocasionada pelas mudanças climáticas, cujos efeitos são sentidos em diferentes regiões do “nosso maltratado planeta”, como traz o Papa, sobretudo por grupos e pessoas em maior situação de vulnerabilidade. 

Dividido em seis capítulos, o documento reforça que uma reduzida porcentagem mais rica do planeta polui mais do que o 50% mais pobre de toda a população mundial, e que a emissão per capita dos países mais ricos é muitas vezes superior à dos mais pobres.

Confira análise divulgada pelo Vatican News sobre a Laudate Deum.  

Fique por dentro

Nos próximos dias, a Revista Casa Comum irá divulgar uma entrevista completa sobre a Laudate Deum com Luiz Cesar Marques Filho, historiador de arte e professor universitário, um dos fundadores do programa de pós-graduação em História da Arte da Universidade Estadual de Campinas, onde atualmente exerce o cargo de professor de História Medieval e Moderna, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 

*Fabio Paes é coordenador de advocacy do Sefras – Ação Social Franciscana.

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