Publicado em
28/01/2025
Diferentes organizações da sociedade civil têm atuado na defesa da liberdade de expressão e da proteção aos profissionais da comunicação.
Por Isadora Morena
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Fachada do jornal Rondoniaovivo com marcas de tiro. Foto: Paulo Andreoli
No dia 12 de novembro de 2022, a sede do jornal eletrônico Rondoniaovivo, em Porto Velho (RO), amanheceu alvejada. Ao menos 20 tiros foram disparados na fachada da redação. Apesar de ninguém ter se ferido, aquela era uma mensagem clara de intimidação e silenciamento. “Metralharam a nossa porta e não sobrou nada em pé”, lamenta o comunicador Paulo Andreoli, sócio-fundador do veículo.
O jornal, que tem “a maior audiência consolidada do estado de Rondônia” e “não tem um foco político”, de acordo com Paulo, se dedica, essencialmente, à produção autoral e local sobre cultura, esporte, turismo e gastronomia. Porém ousou chamar de movimento golpista o acampamento bolsonarista instalado na porta do quartel de Porto Velho após as eleições de 2022.
A defesa da democracia rendeu o pior ataque sofrido pelo Rondoniaovivo, mas ele não foi o primeiro, nem o último. Em anos anteriores, um carro da empresa já havia sido queimado e um disparo de tiro, deixado marcas físicas no prédio. Em 2024, houve uma ação judicial contra o portal de notícias. Uma magistrada, candidata à vereadora, processou o veículo por não a designar como “juíza” em matéria sobre eleições.
Sobre o ataque à sede, de acordo com Paulo, a Polícia Federal identificou, após uma longa investigação, quem atirou no jornal, mas o Ministério Público não ofereceu denúncia. “Eles estão soltos e está tudo certo aqui na cidade.” Não na vida de Paulo, que agora vive recluso.
“Isso criou um problema sério para mim e tive que me ausentar da cidade. Fui ameaçado literalmente, não podia ir ao supermercado, porque a cidade, apesar de ser uma capital, não é tão grande. Eu passei um tempo em São Paulo e hoje ainda mantenho uma vida restrita, não frequento muitos ambientes, estou mais em casa. Aprendi a ficar trancado”, conta o comunicador.
Violência na Amazônia
A história do Rondoniaovivo é uma das muitas contadas também no Fronteiras da Informação: Relatório sobre Jornalismo e Violência na Amazônia. Organizado pelo Instituto Vladimir Herzog, o documento, lançado em abril de 2024, é uma busca por compreender as razões políticas, econômicas e sociais que tornam o território amazônico tão propenso à violência contra jornalistas e comunicadores.
De acordo com Giuliano Galli, coordenador de Jornalismo e Liberdade de Expressão do Instituto Vladimir Herzog, no geral, “os ataques na região amazônica são muito violentos e têm como principal objetivo conter informações e narrativas que dão conta de um uso absolutamente irregular e, muitas vezes, criminoso de recursos naturais, e, também, perseguições a populações originárias que habitam aquele território desde sempre e que têm tido seus direitos violados.”
Com o relatório, o Instituto tem a expectativa de pautar a criação e a implementação de políticas públicas para a comunicação não só na Amazônia, mas em todo o país, e também de movimentar a sociedade no sentido de ampliar a conscientização sobre a gravidade desse contexto de violência que, segundo Giuliano, “é um sinal de que o regime democrático brasileiro como um todo não funciona bem.”
Para o coordenador do Instituto, o principal diagnóstico do documento é que, em todo o país, “vivemos uma realidade em que jornalistas e comunicadores são atacados, ameaçados e têm o seu direito violado, e isso afeta não só a prática profissional dessas pessoas, mas o direito que a população tem de produzir e receber informações sobre os assuntos de interesse público.”
Giuliano reitera que o ataque a jornalistas e comunicadores no Brasil é algo sistemático e afirma que ele se origina da história de violência e impunidade do país, desde a colonização e escravização, e que se fortalece com a anistia à ditadura censora.
“Por que querem tanto calar jornalistas e comunicadores? Bem, nosso papel é ser um espelho da sociedade. Temos a função constitucional. Acredito muito no nosso trabalho. Inclusive nessa situação do ataque, que foi a defesa da democracia, do Estado democrático de direito, onde deram os tiros, nós tínhamos uma estante de vidro, onde ficam nossos troféus, como o prêmio do Ministério Público que ganhamos. Ela foi atingida com vários tiros, e nós não arrumamos, ela continua quebrada, o vidro lá. E eu falei: ‘De todos os troféus, esses tiros aqui na porta e os vidros quebrados são os maiores em nossa defesa'”, acredita Paulo Andreoli.
Rede de proteção
Paulo e a equipe do Rondoniaovivo, além de figurarem no relatório, também foram acolhidos por outro projeto coordenado pelo Instituto Vladimir Herzog. Em atuação conjunta com a Artigo 19 no Brasil, a organização lidera a Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores. A iniciativa, que articula mais de 130 pessoas e entidades, visa, por diversas frentes, promover a segurança de pessoas comunicadoras para a garantia da liberdade de expressão no país.
3º Encontro Nacional da Rede de Proteção a Jornalistas e Comunicadores. Foto: Divulgação
A Rede, que abarca não só jornalistas, mas também comunicadores populares, tem como uma de suas frentes de atuação o recebimento de forma sigilosa de denúncias de ataques à liberdade de expressão e, com isso, a criação de um plano de ação junto à vítima visando sua proteção, propiciando diversos tipos de suporte, como jurídico e psicológico.
Giuliano observa que vários episódios de violência contra jornalistas e comunicadores no Brasil vão escalando. “Eles começam com uma postagem numa rede social e, depois, pode virar uma mensagem privada. Em alguns casos mais graves, eles se transformam numa violência ou perseguição física, o que, obviamente, acaba se configurando numa violação gravíssima ao direito individual desse jornalista ou comunicador.”
Para acionar a Rede, basta entrar no site oficial (rededeprotecao.org.br) e preencher um formulário seguro. No site também se encontra a Biblioteca de Proteção que disponibiliza uma série de materiais e cartilhas que visam à proteção preventiva.
Mais ações
A iniciativa, junto com muitas outras, atua ocupando a ausência de uma política pública robusta de proteção aos comunicadores em um cenário assustador.
O Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa, levantamento anual feito pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), lançado em maio de 2024, revela que o país ocupa a 82a posição. Os números incluem cerca de 30 assassinatos na última década, o que torna o Brasil o segundo país mais perigoso para os jornalistas nas Américas, atrás apenas do México. Considerando a atuação de comunicadores populares, os números são ainda piores.
No enfrentamento a essa situação, 11 organizações pela liberdade de imprensa lançaram, em maio de 2024, a Coalizão em Defesa do Jornalismo. Entre elas estão a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o Instituto Vladimir Herzog, a Artigo 19 e o Instituto Tornavoz. Esta última tem atuação específica na luta contra o assédio jurídico, forma crescente de violência contra jornalistas e comunicadores.
Assédio jurídico
Essa forma de ataque é caracterizada pelo uso abusivo do sistema judiciário. De acordo com a advogada Charlene Miwa Nagae, fundadora e diretora executiva do Instituto Tornavoz, “são tentativas de censura mesmo por meio do uso do poder judicial.”
Charlene afirma que, nesses casos que são orquestrados, o “intuito é intimidatório. As pessoas não estão buscando uma reparação ao dano que elas sofreram, mas sim intimidar o jornalismo para que as pessoas deixem de publicar matérias de interesse público.”
O ataque se dá porque “aquelas que estão à frente dessas iniciativas [de comunicação] dificilmente conseguem ter recursos para manter as atividades do veículo e ao mesmo tempo se defender em processos judiciais”, explica a advogada.
Nesse sentido, o Tornavoz atua financiando a contratação de advogados locais para a defesa do comunicador que é réu no processo, e, também, colabora com a criação de estratégia de defesa, e com formações e articulações para o fomento de um ecossistema comunicacional mais saudável.
Giuliano Gali, do Instituto Vladimir Herzog, diz que tem sido crescente o processo de institucionalização dos ataques aos comunicadores. Ele defende que é “necessário que toda a sociedade encare com bastante estranhamento qualquer tipo de ataque à imprensa. Ataque é diferente de crítica. Crítica à imprensa é absolutamente fundamental e faz bem para o jornalismo como um todo, mas o ataque, a violência, a violação à liberdade de expressão é algo que compromete todo o sistema de funcionamento da democracia e da vida em sociedade.”
Dicas para comunicadores
As principais dicas para jornalistas e comunicadores evitarem situações de assédio judiciais incluem, segundo Charlene Miwa Nagae, do Instituto Tornavoz:
1. Precisão das informações: é fundamental ter cuidado com a precisão das informações transmitidas. O uso de termos técnicos deve ser feito com atenção, pois podem carregar conotações negativas que não refletem a realidade. Por exemplo, a exoneração de uma pessoa pode ser uma decisão positiva, mas pode ser interpretada de forma negativa se não for contextualizada corretamente.
2. Preservação de documentos: os jornalistas e comunicadores devem preservar todos os documentos que embasam suas matérias, incluindo gravações de entrevistas e outros registros. É recomendado guardar esse material por, no mínimo, três anos, pois ações judiciais podem demorar a surgir e é importante ter evidências disponíveis para a defesa.
3. Organização dos arquivos: manter uma organização adequada dos arquivos e evidências é crucial. Muitos jornalistas perdem registros importantes por falta de organização, o que pode dificultar a defesa em um eventual processo judicial.
4. Formação e conhecimento jurídico: participar de cursos e seminários sobre aspectos jurídicos relevantes para o jornalismo pode ajudar os profissionais a entender melhor seus direitos e deveres, além de evitar erros que possam levar a processos.
Fique por dentro
• Artigo 19: artigo19.org
• Coalizão em Defesa do Jornalismo: linkedin.com/company/cdjor
• Fronteiras da Informação – Relatório sobre Jornalismo e violência na Amazônia: vladimirherzog.org/fronteirasdainformacao
• Instituto Tornavoz: tornavoz.org
• Instituto Vladimir Herzog: vladimirherzog.org
• Jornal eletrônico Rondoniaovivo: rondoniaovivo.com
• Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2024: bit.ly/RCC_11_43
• Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores: rededeprotecao.org.br
• Repórteres Sem Fronteiras (RSF): rsf.org/pt-br
No período de um ano, foram registrados 66 casos de ataque à imprensa, envolvendo agressões físicas, assédio e ameaças, na área da Amazônia Legal.
Publicado em
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